São Paulo, segunda-feira, 09 de março de 2009

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ANÁLISE

Orçamento de Obama abraça o liberalismo

Por DAVID E. SANGER

Os adversários da proposta do presidente Barack Obama para um novo ativismo do governo na economia a consideram um retorno à tradicional filosofia de "taxar e gastar", um passo atrás na direção da "grande sociedade" do presidente Lyndon Johnson (1963-69).
Pode ser também uma forma de liberalismo pós-moderna e pós-Clinton.
Ao contrário dos abrangentes programas sociais da década de 1960, o plano de Obama, falando em "empregos verdes" e eficiência energética, parece mais destinado a uma classe média que deixou o boom passar do que aos americanos mais pobres.
O Orçamento é anunciado como uma forma de resolver as três questões que Obama mais citou na sua campanha: um papel muito mais amplo para o governo federal em educação, saúde e política energética. Seus novos itens mais caros, como os US$ 630 bilhões reservados para a criação de um fundo nacional de saúde, e os US$ 250 bilhões para o resgate de bancos e setores frágeis, se destinam a trabalhadores de classe média, que enfrentam a dupla ameaça de perder o emprego e o plano de saúde.
E, pela primeira vez, um presidente americano se mobilizou para taxar setores cujas emissões contribuem com o efeito estufa -algo que o antecessor George W. Bush argumentava que amarraria a indústria dos EUA.
Há uma impressionante ousadia nessa estratégia. Obama aposta que a combinação do seu capital político com a urgência criada pela crise lhe oferece um momento que pode jamais se repetir. Mas, no caminho, ele parece ter se livrado do medo de Bill Clinton (1993-2001) de ser taxado de progressista antiquado.
Para afastar as críticas de que estaria voltando a uma era de governo inchado, Obama confia em uma nova embalagem. Ele tem sido altamente específico sobre como os impostos dos ricos seriam redirecionados para programas que ecoam junto àqueles que ouviram suas promessas de campanha.
"Há notáveis semelhanças com Johnson e a 'grande sociedade'", disse Robert Dallek, historiador que escreveu sobre a promessa de Johnson de pôr fim à pobreza, compromisso que ele só cumpriu parcialmente.
"A retórica de Obama não é tão grandiosa", disse Dallek. Mas ele vê o risco de que Obama reinvente o erro de Johnson. "O Vietnã provou, em poucos anos, que realmente não se pode fazer armas e manteiga [investir em guerra e produtividade ao mesmo tempo]. E temo que o Afeganistão seja o paralelo para Obama."
Se o grito de guerra de Johnson era o fim da pobreza nos EUA, o de Obama é o fim da "revolução Reagan". Com a proposta de aumentar impostos para casais que ganhem mais de US$ 250 mil por ano, Obama declarou que a "economia do gotejamento" -teoria segundo a qual todo o país se beneficia quando os mais ricos acumulam e gastam- é uma fantasia. Ele a denunciou em termos morais, declarando no seu Orçamento que é permitir "que o terreno de jogo seja tão inclinado em favor de tão poucos".
Enfatizando o foco na classe média, o mesmo Orçamento lembrou que de 2000 a 2007, no governo Bush, "a renda mediana [anual] nos lares chefiados por pessoas com menos de 65 anos" caiu cerca de US$ 2.000.
Além disso, nota Eugene Steurele, vice-presidente da Fundação Peter G. Peterson, mesmo os gastos de longo prazo no Orçamento de Obama não têm um tremendo efeito sobre os déficits projetados. "São os gastos já existentes com saúde e Seguridade Social que respondem por esses enormes déficits, e ele ainda não tratou dessa questão."
Ao contrário de Obama, Clinton foi muito mais cauteloso. Ele chegou ao cargo apenas quatro anos depois de Ronald Reagan deixar Washington, e a ascensão do movimento republicano do "Contrato com a América", em meados da década de 1990, manteve viva a filosofia reaganista.
Além disso, Clinton naturalmente devia mais gratidão aos doadores democratas mais ricos. A bem-sucedida estratégia obamista de campanha, de arrecadar centenas de milhões de dólares em pequenas doações pela internet, lhe dá mais margem de manobra política. O que começa agora é a parte mais difícil da batalha de Obama, os debates programa a programa que acabam transformando (e tantas vezes inchando) um Orçamento federal.
Mas, para o novo presidente, só a vitória legislativa não basta. Como Clinton, ele terá de convencer os mercados, que ficaram apáticos diante do pacote de estímulo, de que os EUA têm condições de realizar as mudanças que ele está fazendo. Ele precisa persuadir os chineses, entre outros, a emprestar dinheiro para custear isso. E deve convencer os americanos de que pode trazer de volta o governo ativista sem os piores aspectos do governo grande.


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