São Paulo, segunda-feira, 09 de novembro de 2009

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De tradição moderada, Indonésia adota lei do islã

Minoria defende o apedrejamento como princípio da sharia

Por NORIMITSU ONISHI

BANDA ACEH, Indonésia - Pela lei islâmica, a sharia, a polícia religiosa indonésia já vem punindo delitos como prostituição, jogos de azar e casos extraconjugais com açoitamentos públicos. Mas, pelas normas de um código penal islâmico que entra em vigor neste mês, a polícia da sharia poderá ameaçar com uma arma nova e mais poderosa: a execução de adúlteros por apedrejamento.
A maior parte da Indonésia ainda confirma a reputação do país de seguir uma vertente moderada e tolerante do islã, e os partidos políticos islâmicos sofreram reveses nas eleições nacionais deste ano. Mas a maneira como o Estado de Banda Aceh passou, em poucos anos, de ter uma lei islâmica básica ao endosso do apedrejamento mostra como uma pequena minoria radical conseguiu promover sua agenda em nível local e nacional, intimidando os moderados políticos e religiosos.
Apesar de extremo, o caso de Aceh não é isolado. Nos últimos anos, como parte de um processo de descentralização do poder, que deixa de estar todo na capital, Jacarta, pelo menos 50 governos locais aprovaram normas baseada na sharia relativas a comportamentos e trajes. Mas nenhum deles foi tão longe quanto o de Aceh no modo como são tratadas questões criminosas.
A maioria dos especialistas e defensores dos direitos humanos crê que as normas representam discriminação contra as minorias não muçulmanas e infringem a Constituição indonésia, que garante a liberdade de religião. Mas o governo do presidente Susilo Bambang Yudhoyono -ex-general moderado cujas credenciais muçulmanas já foram várias vezes questionadas por seus adversários políticos- não as contestou.
Na verdade, o presidente apoiou a adoção de leis baseadas em princípios morais, que agradaram a seus aliados muçulmanos conservadores. Yudhoyono ainda não comentou o apedrejamento, deixando a cargo de seus assessores criticar a nova norma e esperando, evidentemente, que ela seja revogada pelo Parlamento de Aceh.
O governador de Aceh já declarou que se oporá aos apedrejamentos, e mesmo partidários da medida reconhecem que ela é muito difícil de aplicar, por razões práticas e teológicas. Ainda assim, como o governador não possui o poder de veto, é possível que o apedrejamento seja aprovado.
Se os legisladores de Aceh não rejeitarem a medida, o governo central pode ser obrigado a contestar nos tribunais a aplicação local da sharia, que ganhou ampla aceitação em Aceh. A medida tem o potencial de provocar divisões.
As autoridades começaram a colocar a sharia em prática em 2001, ampliando e reforçando-a a cada poucos anos com novas revisões legais. Conhecida oficialmente como "wilayatul hisbah", ou "a patrulha do vício e da virtude", a polícia da sharia começou a atuar em 2005, com 13 policiais e hoje conta com 62, dos quais 14 são mulheres.
No começo deste ano, quando o Parlamento provincial de Aceh começou a estudar a adoção de um código penal islâmico mais abrangente, políticos e clérigos inicialmente concordaram em adiar a discussão do apedrejamento, que consensualmente é o castigo previsto no Corão para os casos de adultério.
Mas, no último minuto, alguns parlamentares aparentemente aliados a clérigos radicais pressionaram por sua inclusão, disseram legisladores atuais e passados. Temendo ser tachados de maus muçulmanos, mesmo legisladores que tinham reservas em relação ao apedrejamento endossaram a lei. Seis dos sete partidos representados no Parlamento votaram a favor dela. O outro -o Partido Democrático, que é também o partido de Yudhoyono- se absteve.
"Nunca dissemos que éramos contra o apedrejamento", disse Yuzrizal Ibrahim, membro do Partido Democrático. "O apedrejamento está previsto na sharia. Se tivéssemos votado contra, teria parecido que éramos contra o islã."


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