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De tradição moderada, Indonésia adota lei do islã
Minoria defende o apedrejamento como princípio da sharia
Por NORIMITSU ONISHI
BANDA ACEH, Indonésia - Pela lei islâmica, a sharia, a polícia religiosa
indonésia já vem punindo delitos como prostituição, jogos de azar e casos
extraconjugais com açoitamentos públicos. Mas, pelas normas de um código penal
islâmico que entra em vigor neste mês, a polícia da sharia poderá ameaçar com
uma arma nova e mais poderosa: a execução de adúlteros por apedrejamento.
A maior parte da Indonésia ainda confirma a reputação do país de seguir uma
vertente moderada e tolerante do islã, e os partidos políticos islâmicos
sofreram reveses nas eleições nacionais deste ano. Mas a maneira como o Estado
de Banda Aceh passou, em poucos anos, de ter uma lei islâmica básica ao endosso
do apedrejamento mostra como uma pequena minoria radical conseguiu promover sua
agenda em nível local e nacional, intimidando os moderados políticos e
religiosos.
Apesar de extremo, o caso de Aceh não é isolado. Nos últimos anos, como parte de
um processo de descentralização do poder, que deixa de estar todo na capital,
Jacarta, pelo menos 50 governos locais aprovaram normas baseada na sharia
relativas a comportamentos e trajes. Mas nenhum deles foi tão longe quanto o de
Aceh no modo como são tratadas questões criminosas.
A maioria dos especialistas e defensores dos direitos humanos crê que as normas
representam discriminação contra as minorias não muçulmanas e infringem a
Constituição indonésia, que garante a liberdade de religião. Mas o governo do
presidente Susilo Bambang Yudhoyono -ex-general moderado cujas credenciais
muçulmanas já foram várias vezes questionadas por seus adversários políticos-
não as contestou.
Na verdade, o presidente apoiou a adoção de leis baseadas em princípios morais,
que agradaram a seus aliados muçulmanos conservadores. Yudhoyono ainda não
comentou o apedrejamento, deixando a cargo de seus assessores criticar a nova
norma e esperando, evidentemente, que ela seja revogada pelo Parlamento de Aceh.
O governador de Aceh já declarou que se oporá aos apedrejamentos, e mesmo
partidários da medida reconhecem que ela é muito difícil de aplicar, por razões
práticas e teológicas. Ainda assim, como o governador não possui o poder de
veto, é possível que o apedrejamento seja aprovado.
Se os legisladores de Aceh não rejeitarem a medida, o governo central pode ser
obrigado a contestar nos tribunais a aplicação local da sharia, que ganhou ampla
aceitação em Aceh. A medida tem o potencial de provocar divisões.
As autoridades começaram a colocar a sharia em prática em 2001, ampliando e
reforçando-a a cada poucos anos com novas revisões legais. Conhecida
oficialmente como "wilayatul hisbah", ou "a patrulha do vício e da virtude", a
polícia da sharia começou a atuar em 2005, com 13 policiais e hoje conta com 62,
dos quais 14 são mulheres.
No começo deste ano, quando o Parlamento provincial de Aceh começou a estudar a
adoção de um código penal islâmico mais abrangente, políticos e clérigos
inicialmente concordaram em adiar a discussão do apedrejamento, que
consensualmente é o castigo previsto no Corão para os casos de adultério.
Mas, no último minuto, alguns parlamentares aparentemente aliados a clérigos
radicais pressionaram por sua inclusão, disseram legisladores atuais e passados.
Temendo ser tachados de maus muçulmanos, mesmo legisladores que tinham reservas
em relação ao apedrejamento endossaram a lei. Seis dos sete partidos
representados no Parlamento votaram a favor dela. O outro -o Partido
Democrático, que é também o partido de Yudhoyono- se absteve.
"Nunca dissemos que éramos contra o apedrejamento", disse Yuzrizal Ibrahim,
membro do Partido Democrático. "O apedrejamento está previsto na sharia. Se
tivéssemos votado contra, teria parecido que éramos contra o islã."
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