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A volta do rei dos retalhos
Por CATHY HORYN
A vida de Carlos Falchi deve parecer estranha até para ele, ocasionalmente.
Em uma quinta-feira recente, por exemplo, depois de passar a noite gravando
programas no canal Home Shopping Network (HSN) para divulgar bolsas e casacos de
uma nova linha chamada Chi, Falchi estava diante de uma árvore de Natal num
estúdio da HSN na Flórida. Eram 14h10, e 16.011 unidades de um casaco de US$
99,99, feito de material semelhante ao couro, já haviam sido vendidas.
Falchi, brasileiro que começou a carreira criando roupas para astros do rock e
do jazz nos anos 70, em Greenwich Village (Nova York), onde ainda vive em
companhia de Missy, sua mulher há 25 anos, resmungou algumas palavra sobre suas
raízes.
E também há noites nas quais ele vai com a mulher a um restaurante da moda em
Nova York, e os dois veem alguma jovem com uma das velhas bolsas de couro de
búfalo criadas por Falchi.
Certa vez, ele se apresentou a uma dessas jovens. Ela então ligou para sua mãe,
que havia comprado a bolsa 30 anos antes, colocou Falchi no telefone para uma
conversa e tirou uma foto com ele.
É assim que a vida de Falchi transcorre. Tudo começou quando ele trabalhava como
garçom em casas noturnas de Nova York -isso em 1970- e depois do trabalho, em
casa, submetia couro de cobra a um banho de alvejante na banheira de seu
apartamento, para produzir calças de retalhos. Ele era vizinho de Jimi Hendrix.
Passados 40 anos ocupados por toda variedade de experiências -do sucesso inicial
à queda, passando pela mania das bolsas e pela perda de seu nome para outra
companhia-, ele recebeu um telefonema da rede de varejo Target. A empresa o
convidou a criar uma linha de bolsas, que está sendo lançada neste mês.
"Minha vida sempre teve altos e baixos", disse Falchi, 65.
A Target descobriu uma fórmula de sucesso ao convidar estilistas de vanguarda,
como Alexander McQueen, para criar coleções a preços acessíveis. Em troca, eles
recebem exposição a audiências muito maiores que os seus públicos sofisticados.
Mantendo sempre o seu estilo de sobreposições e retalhos, Falchi produziu dez
modelos diferentes de bolsas, em tons pretos, marrons e avermelhados, com um
material que simula pele de cobra. Os preços variam de US$ 19,99 a US$ 49,99.
Talvez, a despeito dos materiais sintéticos usados nas bolsas da Target, o apelo
seja que Falchi tem um toque artesanal. Ele é um dos últimos fabricantes de
produtos de couro em Nova York e emprega 60 pessoas; as bolsas que produz para
lojas como Bergdorf Goodman e Saks começam com peças de couro de cobra, jacaré e
avestruz, entre outras bases. O preço dessas bolsas pode chegar a US$ 5.000.
Uma bolsa Falchi representa, sob quase todos os pontos de vista, o oposto de uma
bolsa Kelly, da Hermès, ainda que Falchi diga recorrer a alguns dos mesmos
tanoeiros que o grupo francês. A diferença mais evidente -e isso quase o tirou
do negócio alguns anos atrás- é o fato de que uma bolsa Falchi é mole,
desestruturada. Quando a moda e os acessórios ganharam tons mais formais, Falchi
tentou produzir uma versão do modelo Kelly.
"Que desastre", ele disse. "Eu não era capaz de fazer algo assim. Não tinha mão
para isso."
Quando Falchi começou a produzir bolsas, nos anos 70, usava um estilo bruto,
improvisado. Eram bolsas nada esnobes, diz sua mulher. "Quando você comprava uma
daquelas bolsas de couro de búfalo que ele fazia, se sentia arrojada. Foi a
silenciosa revolução de uma geração de mulheres que não queriam usar as mesmas
bolsas que suas mães."
Outra maneira de ver suas bolsas é por sua imperfeição. Não parecem ter sido
reproduzidas às centenas. A qualidade orgânica de seu trabalho cairia, diz
Falchi, caso as fabricasse na Europa ou na Ásia.
"Creio que as pessoas que trabalham [em Nova York] carregam a cidade com elas -a
tensão, o nervosismo, o metrô", diz. "Tudo isso faz parte dessas bolsas."
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