São Paulo, segunda-feira, 10 de maio de 2010

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Haitianos sentem-se abandonados nos destroços

Por DEBORAH SONTAG
PORTO PRÍNCIPE, Haiti - Mais de cem longos dias depois do terremoto de 12 de janeiro, Ginette Lemazor, seu marido e seu inquieto filho de cinco anos ainda moram no sujo terreno de uma oficina mecânica na avenida Poupelard.
Pelo menos, disse Lemazor, eles não dormem mais em um carro destruído, e sim em uma frágil estrutura feita de folhas de plástico e madeira recuperada. Eles têm uma cama e uma cadeira. Mas seu quintal continua uma confusão de destroços enferrujados, e seu futuro é um ponto de interrogação.
"O dono quer nos expulsar", disse Lemazor sobre os cem moradores que continuam no terreno da Union Garage, dos 300 que havia após o terremoto. "Mas ele sabe que não temos para onde ir. Quem ficaria aqui, se tivesse?"
Se duas semanas depois do terremoto a avenida Poupelard estava cheia de uma energia desesperada de sobrevivência, hoje emite um zumbido baixo enquanto moradores, camelôs e donos de lojas se adaptam ao ritmo vagaroso da recuperação.
Nessa rua central, o estado de emergência terminou: os cadáveres desapareceram, o cheiro de morte se dissipou, e os médicos estrangeiros que assumiram a clínica comunitária se foram. Louis Fils, 66, fabricante de caixões que produziu caixotes de madeira por preços elevados logo depois do abalo, está fazendo uma liquidação.
Mas a avenida Poupelard ainda é um quadro de destruição, salpicado de poucos sinais de progresso: alguns quiosques recém-construídos, montes de entulho retirados de prédios e crianças uniformizadas sob lonas no pátio de uma escola em ruínas.
"Algumas delas ainda estão muito tristes", disse Émile Jean Louis, cuja escola reabriu com barracas no mês passado. "Veja estas garotas deitadas sobre as mesas! Elas não dormem bem e provavelmente estão com fome. Eu gostaria de poder lhes oferecer uma refeição quente, mas, sem a ajuda do governo, estou operando com um orçamento de fé."
A avenida Poupelard oferece uma imagem do alcance da ajuda e dos serviços menos animadora do que a que se vê nos relatórios oficiais. Enfiados em acabamentos pequenos demais para atrair os grupos não governamentais que atuam em grandes acampamentos, muitos ali sentem que estão por conta própria.
A distribuição de alimentos em grande escala se reduziu, e muitas famílias subsistem com arroz comprado de vendedores ambulantes. Mas várias mulheres disseram que nunca foi fácil conseguir comida grátis, de todo modo; o homem que distribui cartões de racionamento na Poupelard pedia sexo ou dinheiro em troca.
"Aquele sujeito atirava o cartão no esgoto se você não aceitasse suas condições", disse Huguette Joseph. Indagada se sua situação havia melhorado desde logo depois do terremoto, Joseph fez uma pausa e disse: "Acho que o cheiro melhorou com a retirada dos corpos".
Ela e outros na rua ainda procuram lonas ou barracas firmes e se perguntam como garantir um lugar nos novos locais de moradia temporária, como um ao norte da cidade, em Corail Cesse Lesse, para o qual foram transferidas recentemente milhares de pessoas do acampamento de Pétionville.
"Eu gostaria de ter um daqueles lugares com banheiros", disse Joseph. "O buraco que cavamos como banheiro aqui está sujo e doentio, e agora entramos em casas destruídas para fazer as necessidades." Na garagem improvisada, seis homens trabalhavam em um único carburador quebrado. Clédor Fils Antoine, mecânico, assistia desanimado, dizendo que nenhum deles sabia como encontrar trabalho na iniciativa de recuperação do país. "O único dinheiro que podemos ganhar é retirando entulho, mas eu não consegui [esse emprego]", disse. "É difícil saber o que está acontecendo. O governo não se comunica, a não ser para nos assustar."
Fils Antoine referia-se aos comentários feitos em abril pelo presidente René Préval, que advertiu sobre a inevitabilidade de outro terremoto, talvez mais poderoso que o último. "Não sei quando, mas sabemos que vai ocorrer, e é melhor estarmos preparados", ele disse ao jornal "Le Nouvelliste".
Os comentários provocaram pânico, levando muitos haitianos que tinham acabado de voltar para casa, como Fils Antoine, a retornar às ruas.


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