São Paulo, segunda-feira, 10 de maio de 2010

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CIÊNCIA & TECNOLOGIA

Uso de amostras de DNA preocupa doadores

Por AMY HARMON
O abismo cultural entre os indígenas Havasupai, que consideram seu sangue algo sagrado, e pesquisadores do Arizona, que foram ao Grand Canyon colher amostras desse sangue, esteve no centro de um recente processo judicial sobre o âmbito de um estudo genético. O processo terminou com o pagamento de uma indenização à tribo.
Mas, para especialistas em bioética, o caso serve como história cautelar sobre o abismo igualmente significativo entre cientistas e todas as pessoas estudadas em pesquisas.
No caso que chegou à Justiça, o que se discutiu foi se uma geneticista da Universidade Estadual do Arizona tinha obtido autorização dos membros da tribo para usar o DNA deles para qualquer outra finalidade além de encontrar informações sobre a diabetes tipo 2. Mais de 200 membros da tribo, de 650 pessoas, tinham assinado um formulário declarando que seu sangue poderia ser usado no "estudo de causas de desordens comportamentais/médicas", mas muitos disseram acreditar que estavam doando seu sangue apenas para o estudo da diabetes, doença que afeta a tribo em índice alto.
Quando, anos depois, eles souberam que suas amostras de DNA tinham sido usadas para pesquisar coisas às quais faziam objeções, se sentiram traídos. Os pesquisadores tinham estudado genes que se acreditava que tivessem ligação com a esquizofrenia, condição que a tribo considera estigmatizante, e tinham rastreado as origens da tribo até a Ásia, contradizendo as versões tradicionais segundo as quais os Havasupai teriam surgido no Grand Canyon.
O Conselho de Regentes da universidade concordou em 20 de abril em pagar US$ 700 mil a 41 membros da tribo, devolver as amostras de sangue e fornecer outros tipos de assistência aos Havasupai, uma tribo pobre.
O geneticista Stephen J. O'Brien, diretor do Laboratório de Diversidade Genômica dos Institutos de Saúde dos EUA, disse que se solidarizava com a posição de Therese Markow, a geneticista que comandou a pesquisa da universidade e que insistiu em que tinha recebido o consentimento dos índios. Mas, acrescentou O'Brien, era responsabilidade dela assegurar-se de que as pessoas tinham entendido corretamente.
Ele citou uma dúvida surgida recentemente sobre o destinos das cerca de 200 mil amostras de DNA colhidas por cientistas apoiados pelo governo para estudos de doenças específicas.
Questões problemáticas, algumas envolvendo processos judiciais, foram apresentadas recentemente por várias pessoas que descobriram que seus materiais genéticos estão sendo usados para finalidades sobre as quais elas não foram consultadas. Cientistas debatem como melhor aplicar o princípio do "consentimento informado" às pesquisas genéticas em grande escala. Para eles, está em jogo o êxito dessas pesquisas.
Algumas pessoas propõem a criação de um tribunal internacional, que determine as obrigações éticas dos participantes em pesquisas. Outras sugerem que se mantenha contato com os doadores de amostras, para consultá-los sobre novos projetos.
Tribunais dos EUA decidiram que indivíduos não têm direitos de propriedade sobre suas células depois de estas serem colhidas durante atendimento médico, mas, segundo diretrizes federais, as pessoas têm o direito de saber como essas células serão usadas.
Um agravante é a impossibilidade crescente de assegurar o anonimato de informações sobre DNA. Será preciso dizer aos participantes que não será possível garantir sua privacidade? Um consentimento amplo prévio poderá ser suficiente, ou mesmo isso seria enganoso, já que os pesquisadores não podem descrever por completo o âmbito de estudos que ainda não projetaram? Existe algum problema em se usar DNA colhido durante pesquisas cardíacas para estudar associações genéticas com inteligência, doenças mentais ou diferenças raciais?
Antes de mais nada, disse O'Brien, "precisamos comunicar ao público o que acontece quando colocamos suas amostras em nossos bancos biológicos".
Estudos estimam que a maioria dos indivíduos concorda que seus dados sejam usados para uma grande gama de pesquisas biomédicas. Os problemas surgem quando sua autorização não é pedida.
Alguns cientistas estão testando modelos novos. Para conseguir grande volume de participantes para identificar as variáveis genéticas que contribuem para doenças como a diabetes, o Hospital Infantil de Boston, por exemplo, está lançando um projeto com o qual os pesquisadores podem relatar suas descobertas diretamente às pessoas que contribuíram com material genético.


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