São Paulo, segunda-feira, 10 de agosto de 2009

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INTELIGÊNCIA

ROGER COHEN

Limites do "smart power"

A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, disse uma pequena frase importante no final de um discurso no mês passado, dando a mais ampla visão até hoje da nova política externa do governo de Barack Obama, baseada no envolvimento: "Agora, tudo o que precisamos fazer é entregar" (cumprir o prometido).
Os primeiros seis meses de Obama no cargo trouxeram mudanças drásticas na política externa dos EUA. Elementos-chave do léxico de Bush desapareceram, entre eles a "guerra ao terror". Uma abordagem do mundo moralmente carregada, de cunho ideológico, deu lugar ao realismo.
"Não vamos dizer a nossos parceiros para pegar ou largar, nem vamos insistir que eles ou estão conosco ou contra nós", disse Clinton. "No mundo de hoje, essa é uma prática global inadequada".
A chanceler explicou uma estratégia de abertura para o mundo muçulmano destinada a isolar a ameaça islâmica jihadista e de cooperação reforçada com aliados e grandes potências. "Vamos liderar induzindo à maior cooperação entre um maior número de atores e reduzindo a concorrência, inclinando a balança para longe de um mundo multipolar e em direção a um mundo de multiparceiros", ela disse.
Obama tem feito o possível para atrair os russos e os chineses. Fez gestos amistosos à Síria, ofereceu diálogo a Irã e Cuba, tentou identificar um Taleban aberto à cooptação e respondeu às provocações da Coreia do Norte de maneira firme, mas comedida.
O que pensar desse exercício de "poder inteligente"? Não há dúvida de que ele já melhorou a imagem dos EUA, uma mudança cujo verdadeiro impacto estratégico é difícil de quantificar, mas tende a dispor outras potências a ajudar os Estados Unidos, em vez de prejudicar. O medo, tão generalizado na era Bush, e com tanta frequência manipulado, se esgotou.
Até agora, essas transformações de estado de espírito foram efetuadas sem qualquer efeito negativo perceptível à segurança dos EUA. Eu acho que os EUA estão mais seguros quando, nas palavras de Clinton, não são vistos como uma "potência não confiável". Minha sensação é de que Obama deixa os inimigos desconfortáveis por causa de sua própria popularidade. Não há dúvida, por exemplo, de que ele desconcertou o regime iraniano com seu gesto de aproximação.
Mas o júri ainda não julgou a multiparceria de Obama. Nas questões mais espinhosas, os avanços são ilusórios. A maior imparcialidade americana -incluindo críticas à política de colonização israelense- irritou Israel sem aproximar judeus e árabes de um acordo sobre questões que derrotaram gerações de diplomatas.
O maior desafio hoje para Obama é o Irã seminuclear, cujo regime, em sua brutalidade depois de eleições duvidosas, complicou a já árdua tarefa de superar décadas de ácida desconfiança. Até agora, a aproximação dos EUA nada produziu em troca.
O prazo de setembro dado por Obama a Teerã para uma resposta sobre essas negociações se aproxima. Se nada sério acontecer, o presidente terá de demonstrar se pode realmente fazer russos e chineses cooperarem em duras sanções. Para que isso aconteça, Moscou e Pequim devem ser convencidas a desprezar seus interesses comerciais e sua atração estratégica a usar o Irã contra Washington. Será um duro teste da "nova era de envolvimento".
"Tudo o que precisamos fazer é entregar", disse Clinton. Faz 20 anos da ação americana para o encerramento da Guerra Fria sob Bush pai, e 15 anos desde que a diplomacia americana pôs fim à guerra na Bósnia. Os EUA estão devendo mais um golpe diplomático.

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