São Paulo, segunda-feira, 10 de agosto de 2009

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DIÁRIO DE MOSCOU

Mercado livre de magnata desagrada a Putin

Por ANDREW E. KRAMER

MOSCOU - O principal investigador criminal da Rússia o chamou de um "buraco do inferno" nos arredores de Moscou. Há mais de uma década, o mercado ao ar livre Cherkizovsky foi um labirinto de barracas de madeira compensada onde carne de cavalo e tartarugas vivas eram vendidas ao lado de jeans de grife falsificados na China e outros produtos de comércio barato.
Tantos trabalhadores migrantes trabalhavam lá que empresas incomuns surgiram para atendê-los, como um banco dentro de um contêiner de navio e um escritório consular do Tadjiquistão.
Antes que o mercado fosse finalmente fechado, em junho, as autoridades disseram que 1 em cada 40 negociantes tinha doenças infecciosas, como tuberculose ou sífilis. Mas o verdadeiro motivo pode ter sido que o mercado -e seu dono- contrariavam a visão da nova Rússia do premiê Vladimir Putin.
O fechamento do mercado sugere a ação do poder e da riqueza na Rússia hoje, enquanto o país se afasta das formas mais rudes de capitalismo que existiram no período pós-soviético imediato. Aquele sistema está sendo substituído por uma nova forma de controle estatal da economia sob Putin, baseada em códigos de lealdade pessoal e fidelidade aos ideais de uma Rússia mais rígida e digna do que a que existiu na década de 90.
O problema nesse caso foi que o dono do mercado, Telman Ismailov, que ganhou bilhões de dólares enquanto o Cherkizovsky evoluiu de um mero mercado de pulgas a um polo de distribuição de importações chinesas em escala industrial, violou códigos não escritos de conduta comercial, que o colocaram em desfavor com Putin, segundo analistas e reportagens na mídia russa.
Além de prejudicar o império comercial de Ismailov, o fechamento do mercado de Cherkizovsky também deixou cerca de 100 mil trabalhadores migrantes sem emprego, dispersou a maior "Chinatown" da Rússia e rompeu um importante sistema de distribuição de importações de bens duráveis.
"É claro, se você visse os códigos oficiais trabalhistas, de higienee prevenção a incêndios, [nada] era feito do modo como está escrito", disse Arseny Popov, autoridade na diáspora chinesa para a Rússia na Academia Russa de Ciências, sobre as operações do mercado. "Mas nada acontecia lá que não tivesse acontecido nos últimos 15 anos."
A novidade foi o investimento de US$ 1,4 bilhão de Ismailov, usando as receitas do mercado, em um resort cinco estrelas a milhares de quilômetros de distância, um mundo de luxo no litoral turco. Ele se chama Mardan Palace, nome do pai de Ismailov, tem 560 quartos, dez restaurantes e 17 bares.
Ismailov, imigrante do Azerbaijão, deu várias festas de inauguração elegantes em maio. O prefeito de Moscou, Yuri Luzhkov, cortou a fita inaugural.
Não está claro o que no resort elegante pode ter desencadeado o ataque regulatório. Ostentação em tempo de crise econômica, investimento no exterior de lucros ganhos na Rússia e uma medida para minar Luzhkov, um antigo rival de Putin, foram sugeridos na imprensa russa. Ismailov não quis dar entrevista sobre o fechamento de seu mercado.
Mas, uma semana depois da festa do Mardan Palace, o caso havia chegado ao árbitro definitivo dos negócios e estilo de vida dos ricos da Rússia: Putin. O tadjique Bakhodur Mirzoyev estava agachado diante da cerca do mercado em uma tarde recente. "Querido Vladimir Vladimirovich Putin, abra nossos contêineres", ele dizia. "Queremos trabalhar."
Perguntado por que o mercado fechou, Mirzoyev encolheu os ombros. Disse que o dono tinha construído um hotel no exterior. Agora, ele ficou sem nada além de "três filhos famintos".
No interior da cerca, o mercado de 160 hectares estava abandonado. Em um lugar, empilhadeiras esmagavam as barracas em pilhas de gesso e vidro quebrado. Uma placa continuava pendurada: "Cigarros, atacado e varejo".


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