São Paulo, segunda-feira, 10 de novembro de 2008

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INTELIGÊNCIA

Reinventar a liderança americana

ROGER COHEN

No discurso de vitória diante de uma multidão extasiada em Chicago, Barack Obama usou uma palavra que não foi muito ouvida nos últimos oito anos, vinda da Casa Branca: “paz”.
Este é nosso momento, declarou, para “restaurar a prosperidade e promover a paz”.
Ninguém pode saber o que o futuro reserva para o jovem senador negro agora elevado ao cargo mais alto, em meio a uma onda de fervor democrático reacendido. Mas já aprendemos uma coisa: que, para ele, o diálogo é instintivo, e a paz não é uma palavra vazia. Enquanto o desejo de vingança parece mover George W. Bush, a reconciliação é o alicerce sobre o qual Obama construiu sua própria identidade.
O mundo estava esperando para ouvir essa palavra. Ele já se acostumou ao rufar de tambores da belicosidade americana. O mundo ansiava pelo ressurgimento da esperança, porque o medo é um alimento diário amargo. Apesar das mudanças de poder que estão em curso no mundo, a liderança americana continua essencial.
Há quatro anos, na ConvençãoDemocrata, no discurso que o tirou da obscuridade, Obama falou da “crença de que estamos ligados como um só povo”.
Ele nunca se desviou do tema, que acabou por levá-lo à vitória. “Neste país nós nos erguemos ou tombamos como uma só nação, como um só povo”, disse.
Obama estendeu sua mensagem para além das fronteiras americanas, levando-a ao mundo que aguardava, na expectativa. “Nossas histórias são singulares, mas nosso destino é comum”, disse no discurso da vitória, prometendo que “uma nova aurora de liderança americana está chegando”. A promessa foi enviada não só a líderes, mas também “àqueles que se agacham em torno de rádios nos cantos esquecidos do mundo”.
Essa última frase foi outra que seria inimaginável ouvir da boca do atual ocupante da Casa Branca. Ela revela a vivência de Obama no Quênia de seu pai e na Indonésia de seu padrasto —a experiência do domínio duradouro exercido pela pobreza sobre bilhões de seres humanos. Essa não é uma abstração para ele e, por essa razão, será levada em conta em sua política.
Haverá novas tensões e decepções, e a recessão e a guerra vão impor testes a Obama. Mas alguns princípios serão restaurados de imediato: que as palavras precisam ter significado, que é importante ouvir, e que uma mente aberta é a única que vale a pena ter.
Não se pode proclamar a liberdade ao mesmo tempo em que se tortura. Não se pode promover a democracia e ao mesmo tempo desaparecer com pessoas. Não se pode abrir mão de transparência e regulamentação, essenciais aos mercados modernos de capital, e querer ser visto como defensor do livre empreendimento.
Os americanos encontraram força interior para abraçar o dom da mudança entranhado na Constituição.
E também lançaram um desafio ao mundo: olhem para suas próprias sociedades, suas próprias barreiras, suas próprias estruturas de poder, e perguntem-se até que ponto o nome pouco familiar, o rosto pouco familiar, a cultura ou a religião pouco familiares são tratados como estrangeiros, em vez de fazerem parte da “uma só nação” evocada por Obama.
Os EUA sempre foram uma idéia revolucionária e acabam de lançar um desafio ao século 21.

Envie comentários para intelligence@nytimes.com.



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