São Paulo, segunda-feira, 10 de novembro de 2008

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ANÁLISE ECONÔMICA

Um investimento com longos declínios e lucros modestos

Será que as Bolsas valem mesmo a pena?

DAVID LEONHARDT

Alguns dos investidores mais famosos dos EUA começaram a defender a tese de que é hora de voltar ao mercado de ações. Pessoas como Warren Buffett, apontado pela revista “Forbes” como o homem mais rico do mundo, e John Bogle, o lendário fundador do Vanguard Group, uma empresa de investimentos cujos fundos indexados de baixo custo fizeram muito por muita gente, costumam ter o cuidado de acrescentar que não sabem como ficarão as Bolsas em curto prazo. Mas sua mensagem básica é clara: as ações agora estão baratas, temores irracionais têm derrubado o mercado, e quem comprar hoje ficará satisfeito.
Mas há o argumento da cautela, que não se baseia nos temores de uma nova depressão nos EUA, nem em preocupações instintivas sobre o desconhecido. Baseia-se em números e história.
É algo assim: as ações só estão realmente baratas em comparação com o seu valor dos últimos 20 anos, período que ficará lembrado como uma das maiores bolhas da história. Numa pers-pectiva mais ampla, se vê que a relação entre os preços das ações e os lucros das empresas só está ligeiramente abaixo da sua média histórica. E em crises econômicas anteriores —nas décadas de 1930 e 70— as ações caíram bem abaixo da sua média histórica, antes de voltar a subir.
Lucros empresariais também começaram a despencar. Pressupondo que continuem caindo, as ações também teriam de cair mais para manter a relação preço/lucro em seu nível atual.
James Melcher, presidente do fundo Balestra Capital, de Nova York, escreveu há dois anos um texto para seus clientes em que previa a crise financeira em linhas gerais. Ele argumentou que ninguém pode saber o que o mercado fará no curto prazo. “Mas pensar que as ações estão baratas agora não é racional”, acrescentou.
E prosseguiu: “Nos últimos 20 anos —e particularmente nos últimos seis ou sete— houve a mais gigantesca criação de liquidez que o mundo já conheceu”. Os consumidores se endividaram mais, graças ao afrouxamento das regras do crédito, e um sistema bancário às sombras, composto por fundos de hedge e bancos de investimento, permitiu que Wall Street fizesse o mesmo. Toda essa dívida levantou o crescimento econômico e a valorização das ações. “O problema é que todas essas contas estão vencendo ao mesmo tempo”, disse Melcher.
Ele acha que as Bolsas ainda podem cair mais 20% ou 35% antes de chegarem ao fundo. Então quem tem razão —os otimistas ou os pessimistas?
Minha forma preferida de avaliar a valorização das Bolsas é pela relação preço/lucro —o preço das ações dividido pelo lucro médio anual da empresa, com base nos últimos 5 a 10 anos de balanços. Uma ação é uma participação nos lucros de longo prazo de uma empresa e deve ser avaliada como tal.
A relação preço/lucro em prazos de dez anos é incrivelmente elucidativa ao longo do último século. Nesse intervalo, seu valor médio foi de 16. Houve longos períodos em que ficou acima de 16 e inclusive superou 20, como nas décadas de 1920 e 60, e também nos últimos anos. Mas períodos em que essa relação saltou acima de 20 sempre se seguiram de acentuados declínios, com pelo menos uma década de dividendos fracos.
Em 1932, a relação havia caído para 6. Em 1982, era de apenas 7. Então, naturalmente, o mercado começa a se corrigir na outra direção, e as ações decolam.
As Bolsas já perderam 40% desde outubro, e a experiência dos últimos 25 anos sugere que elas agora têm de reagir. Mas esse é precisamente o problema. Desde a década de 1980, as Bolsas sempre reagiram a perdas, inclusive batendo recordes relativamente rápidos. Por isso, o mercado se tornou enormemente supervalorizado.
Como lembra Robert Shiller, economista especializado em bolhas, os seres humanos tendem a dar peso demais às experiências recentes. Achamos que as guinadas do mercado em 1987 e na atual década são mais significativas e prenunciadoras do que as prolongadas quedas das décadas de 1930, 40 e 70.
Só que Buffett, Bogle e seus colegas já conhecem toda essa história e continuam otimistas.
Bogle acha que os lucros empresariais vão se recuperar bem dentro de alguns anos, e lhe agrada que os juros estejam baixos. Juros baixos costumam vir acompanhados de de mercados compradores.
Mas acho que o seu último argumento é o mais importante aos investidores. “Não estou esperando um mercado muito comprador”, disse ele. Há algumas razões para estar otimista com as ações, afirmou, “e também examino as alternativas”.
E que tal as alternativas? Poupança e fundos de aplicações terão dificuldades em acompa-nhar o ritmo da inflação. Talvez os títulos também. As ações, por outro lado, pagam um dividendo médio de 3%, o que é melhor que os juros na maioria das contas de poupança. E é quase certo que as Bolsas cresçam ao longo das próximas duas décadas.
Se for essa sua perspectiva —para décadas, e não meses ou anos—, a atual oportunidade provavelmente se revelará perfeita para boas compras. A curto prazo, porém, é uma aposta bem mais arriscada.

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