São Paulo, segunda-feira, 11 de maio de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Lingeries e tiras de couro geram lucro no Paquistão

Por ADAM B. ELLICK

KARACHI - No Paquistão, o chicote é conhecido somente como a opção do Taleban para surrar os que desafiam seus estritos preceitos islâmicos. Mas, no fundo da capital comercial do país, ao lado de uma mesquita e dos escritórios de uma organização radical islâmica, em uma casa sem qualquer indicação, dois irmãos paquistaneses descobriram um uso mais liberal e lucrativo para o açoite: o negócio de fetiches e bondage (submissão física) no Ocidente, que movimenta US$ 3 bilhões.
Sua empresa, a AQTH, fatura mais de US$ 1 milhão por ano fabricando 2 mil produtos de fetiche e bondage, que incluem o Chicote da Amante, e exportando-os para os Estados Unidos e a Europa.
Os irmãos Qaader, Adnan, 34, e Rizwan, 32, transformaram a empresa em uma história de sucesso improvável num país onde os bares são ilegais e os pobres muitas vezes são atados para toda a vida à miséria.
Os irmãos tomaram medidas extremas para esconder um negócio que, no país muçulmano profundamente conservador, é tão arriscado quanto o crime.
Ajuda o fato de que as dezenas de trabalhadoras semianalfabetas e cobertas por véus que montam os artigos feitos a mão -bolinhas eróticas, corpetes verdes, saias de tiras para espancar- não têm ideia da finalidade desses objetos. Nem as mulheres dos proprietários e sua mãe muçulmana conservadora foram informadas.
"Se nossa mãe soubesse, nos deserdaria", disse Adnan, sentado numa cadeira com com estampa de leopardo. "Devido às barreiras culturais e à religião, as pessoas não discutem abertamente essas coisas", disse Rizwan. "Temos de esconder essa informação."
Segundo eles, até as autoridades alfandegárias ficaram perplexas sobre como taxar os artigos, sem ter certeza do que eram. Recentemente, quando uma funcionária curiosa perguntou sobre a utilidade do sleep sack, produto que parece um saco de dormir usado em certas variedades de bondage, lhe disseram que era para os cadáveres de militares americanos no Iraque.
Adnan, ex-controlador de tráfego aéreo que hoje é o principal executivo da AQTH, disse que os artigos eram roupas íntimas. Quando foi perguntado se considerava que uma máscara vermelha de cachorrinho era uma lingerie, ele deu uma resposta direta e franca: "Não. É só para brincar".
Ainda assim, às vezes o negócio corre riscos. No ano passado, quatro "sujeitos poderosos" de um grupo muçulmano conservador ameaçaram queimar a fábrica se ela não fosse fechada. Os irmãos explicaram que se tratava apenas de uma fonte de renda e que os artigos não eram usados no Paquistão. No dia seguinte, eles subornaram uma organização política islâmica local para garantir sua segurança.
Hoje, o perigo mais grave é a economia decadente do Paquistão. Os irmãos idolatram o ex-presidente Pervez Musharraf, atribuindo seu próprio sucesso às políticas pró-indústria do ex-mandatário, como não exigir licenças de exportação e proibir os sindicatos. Quando Musharraf renunciou, no ano passado, os irmãos "não comeram durante três dias", disse Adnan.
Desde que o presidente Asif Ali Zardari assumiu o cargo, segundo Adnan, os sindicatos foram legalizados e os preços de algumas matérias-primas, como o couro, dispararam, assim como as taxas de juros. O resultado foi uma queda de 15% nos lucros da AQTH. Os irmãos estão pensando em mudar-se para a Ásia Oriental se o Paquistão se tornar mais instável ou se receberem novas ameaças.
Hoje eles vendem seus produtos para lojas on-line e no mundo real. Sua pesquisa de mercado, segundo eles, mostrou que 70% de seus clientes são americanos de classe média e alta, na maioria democratas. A Holanda e a Alemanha representam o grosso de suas vendas na Europa.
"Acreditamos que, se você for persistente e trabalhar duro, há uma oportunidade em qualquer ambiente difícil, mesmo em um país economicamente deprimido como o Paquistão", disse Rizwan.
Um grande problema, segundo eles, é participar de feiras internacionais do setor. "Eu vou para a 'Cidade do Pecado' todo ano", disse Rizwan com um riso infantil, referindo-se a Las Vegas (EUA). É só negócio, disse. "Os clientes conhecem nosso país e nossa cultura e não nos convidam para nada. Somos um pouco tímidos."


Texto Anterior: Tendências Mundiais
Ex-espião tenta diálogo com islâmicos

Próximo Texto: Inteligência/Roger Cohen: Esticando a adolescência
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.