São Paulo, segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Mulheres em combate, fora das regras

Por ELISABETH BUMILLER
MARJA, Afeganistão - Elas esperavam chá, e não combates.
Mas as três fuzileiras-navais e sua patrulha foram alvo de tiros no final da tarde, quando uma rajada de rifle Kalashnikov veio de uma construção próxima. O grupo se atirou ao chão, arrastou-se até uma vala e apontou suas armas para os campos de algodão e milho.
Em suas miras podiam ver a origem do ataque: um afegão que tinha atirado aleatoriamente de trás de um muro de barro, protegido por meia dúzia de crianças. Elas suspenderam o fogo para não atingir as crianças, esperaram pelo aviso de campo livre, então seguiram de volta para a base, sobreviventes de mais um encontro com o inimigo.
"Você ainda tem aquela mesma sensação: 'Oh meu Deus, estão atirando contra mim'", disse a cabo Stephanie Robertson, 20, sobre os combates que se tornaram parte de sua vida em Marja. "Mas você sabe o que fazer.
Não fica, digamos, à vontade, porque está apenas..." Ela faz uma pausa, procurando a forma de descrever sua reação a experiências que para muitos seriam aterrorizantes. "É como a memória dos músculos."
Seis meses atrás, a cabo Robertson chegou ao Afeganistão com outras 39 mulheres fuzileiras-navais de Camp Pendleton, Califórnia, como parte de uma experiência incomum dos militares americanos: enviar "equipes femininas de abordagem" em tempo integral com patrulhas masculinas de infantaria na província de Helmand, para tentar conquistar as mulheres afegãs da zona rural, de quem os homens estrangeiros não podem se aproximar.
As fuzileiras, que são voluntárias, deveriam encontrar mulheres pashtun na hora do chá em suas casas, avaliar sua necessidades e ajudar a abrir escolas e clínicas. Elas fizeram isso e mais, e, enquanto sua mobilização de sete meses no sul do Afeganistão se aproxima do fim, sua missão "chá como arma" foi considerada um sucesso. Mas as fuzileiras, que estiveram mais perto do combate do que a maioria das outras mulheres na guerra, tiveram de usar armas reais em uma luta real, mais dura do que muitas esperavam.
Aqui em Marja -que sete meses depois de uma grande ofensiva contra os taleban está melhorando, mas continua sendo um dos lugares mais perigosos do Afeganistão-, as fuzileiras-navais diariamente burlam as regras do Pentágono que restringem sua participação em combates. Elas foram colocadas à espera durante três semanas em julho, a meio caminho de sua excursão, enquanto suas regras de envolvimento eram esclarecidas. Elas revidaram em combates e emboscadas, foram atingidas por bombas caseiras e sofreram ataques de morteiros.
Nenhuma das 40 mulheres foi seriamente ferida. Mas algumas viram suas amigas morrer. Uma delas, a cabo Anica Coate, 22, estava em patrulha no início de setembro no sul de Marja, a 1,5 metro atrás do cabo Ross S. Carver, 21, quando ele foi morto por um franco-atirador. Uma semana depois, em um serviço fúnebre em Marja, ela disse que não seria mais voluntária.
"Não são as condições de vida, não é a missão, é isto", ela disse, indicando uma exposição memorial de botas, rifles e placas de identificação pertencentes a fuzileiros mortos. Ela disse calmamente que era "mulher demais para lidar com esses caras sendo mortos".
Para a capitã Emily Naslund, 27, comandante das mulheres, os sacrifícios e frustrações valeram a pena.
Mas para a capitã Naslund a posição dos militares sobre as mulheres em combate é absurda quando não há linhas de frente -e quando os membros de sua equipe enfrentam fogo quase diariamente em patrulhas a pé.
"A atual política para mulheres em combate é antiquada e não se aplica ao tipo de guerra que estamos lutando", ela escreveu para seus pais, amigos e um repórter em um e-mail, depois da revisão legal em julho. Desde então, admitiu a contragosto que o Corpo de Fuzileiros Navais está muito longe de permitir mulheres na infantaria, e que ela terá de viver conforme essas diretrizes.
As mulheres estavam apreensivas sobre uma missão em setembro, uma operação de limpeza na aldeia de Sistani, um refúgio dos talebans na orla oeste de Marja, onde os fuzileiros não tinham estado.
Fuzileiros e tropas do exército afegão deveriam passar o dia vasculhando a aldeia antes das eleições parlamentares. As fuzileiras-navais deveriam seguir para conversar com as mulheres afegãs.
Estas foram amistosas, embora preocupadas. A maioria disse que seus maridos eram agricultores que estavam trabalhando nos campos. Mas as fuzileiras suspeitaram que algumas, ou insurgentes ou suas defensoras, haviam escapado quando souberam que havia americanas na cidade.
As fuzileiras estavam voltando para a base da patrulha no final da tarde, quando os tiros de Kalashnikov soaram por trás das crianças, fazendo a patrulha se espalhar em busca de proteção. "Eles apenas atiraram e correram, foi só", disse a cabo Robertson.
Ao se aproximar o fim de sua excursão, as substitutas das fuzileiras-navais chegaram no final de setembro a Helmand -45 jovens vindas de Camp Pendleton. A antiga equipe apresentou a nova às mulheres pashtun com quem construíram relacionamentos, na esperança de que o contato continue.
"Apenas fazer uma pequena melhora na vida de alguém já significa algo", disse a capitã Naslund. "E se isso significar que um dia as mulheres não terão de usar burca, ótimo. Se significar que elas estão sendo espancadas e têm um lugar para contar a alguém, ótimo." No final, ela disse, "elas vão se lembrar do que nós fizemos".


Texto Anterior: Inteligência - Erhard Stackl: A sofisticada nova direita europeia
Próximo Texto: Pequim concentra pobres em complexos
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.