São Paulo, segunda-feira, 11 de outubro de 2010

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Pequim concentra pobres em complexos

Por HELEN GAO
PEQUIM - O lugar é cercado por muros, e o acesso é feito através de portões. Mas não é um dos condomínios residenciais de alto padrão que vêm surgindo em volta de Pequim.
Dentro do complexo se acotovelam casas e lojas térreas ou de dois andares; as pessoas vivem sob o olhar de câmeras de vigilância e apartadas da cidade. Pela manhã, um portão apenas é aberto, e por ele saem os pais que se dirigem ao trabalho e as crianças que vão à escola. À noite, o portão é trancado.
Shoubaozhuang é um vilarejo pobre de migrantes rurais que trabalham em empregos mal pagos. Juntamente com 15 outras áreas do distrito de Daxing, em Pequim, foi escolhido para ser fechado a pessoas de fora, em um esforço experimental que, de acordo com as autoridades, tem por objetivo frear a criminalidade.
As autoridades dizem que o experimento vem sendo um sucesso -de acordo com o "Diário do Povo", do Partido Comunista, o índice de criminalidade nos vilarejos murados do distrito de Daxing caiu 73% entre abril e julho- e que o conceito de "vilarejo murado" está sendo levado a outros distritos distantes do centro de Pequim.
O projeto pode acabar por abranger uma área de 753 quilômetros quadrados, com população de 3,4 milhões, mais de 80% dos quais trabalhadores migrantes.
Alguns moradores veem os muros e portões como maneira de combater a criminalidade, mas críticos do projeto interpretam os vilarejos, que lembram guetos, como sinal preocupante das barreiras que dificultam o assentamento de migrantes rurais em áreas urbanas. De acordo com os críticos, a intenção das novas medidas é rastrear e controlar os migrantes, e alguns descrevem a política como uma forma de apartheid.
Embora venha sendo cada vez mais afrouxado nas últimas décadas, para ajudar a integrar trabalhadores braçais nas cidades, o sistema, na prática, ainda limita a possibilidade de muitos migrantes de assentar suas famílias permanentemente nas cidades, pelo fato de vincular o acesso a serviços subsidiados, como o ensino público, ao local de nascimento das pessoas.
Um relatório recém-divulgado pelo legislativo municipal indica que a "população flutuante" de Pequim passou de 10 milhões de pessoas no final do ano passado, entre elas 7,26 milhões de migrantes.
Enquanto o boom da cidade gera empregos nos setores da construção e dos serviços, alguns vilarejos, como Shoubaozhuang, com menos de mil habitantes originais, viram suas populações explodirem nos últimos cinco anos, graças ao influxo de migrantes.
Mas o aumento da população também tem levado a essas áreas os problemas da cidade grande, especialmente a pequena criminalidade. De acordo com as autoridades, 80% da criminalidade nos últimos cinco anos aconteceu em áreas dominadas por migrantes.
As autoridades policiais de Pequim e os representantes dos comitês equacionam os vilarejos murados aos condomínios fechados de bairros mais nobres.
"Isso oferece a essas pessoas os serviços de que desfrutam os apartamentos de alto padrão na cidade", afirmou em entrevista telefônica Li Baoquan, membro de um comitê de vilarejo encarregado da segurança pública em parte do distrito de Changping.
Um vendedor de frutas em Shoubaozhuang que pediu para se manter anônimo disse que vem tendo menos fregueses desde que foi instituída a política de fechamento, mas que também se dá conta dos benefícios que advêm do fato de haver um guarda de segurança vivendo a seu lado.
"Ele faz seu dever", explicou o vendedor. "Eu vendo minhas frutas. Procuro não cruzar o caminho dele."


Com reportagem de Edward Wong e Jonathan Ansfield



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