São Paulo, segunda-feira, 11 de outubro de 2010

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SANJAR UMAROV

Hoje em liberdade, prisioneiro recorda tortura

"Um dia. Dois dias. Três dias. Quatro dias. Cinco dias. Silêncio. Um dia você ouve um pássaro. Isso é algo. Você ouve um pássaro."

Por C. J. CHIVERS
GERMANTOWN, Tennessee - Falando em voz rouca e fraca, Sanjar Umarov descreveu a longa sequência de meses que passou em cela solitária no Uzbequistão. Contou que ficava em pé em sua cela minúscula, com as costas para a parede. Andava três passos curtos para frente, até encostar o rosto na parede oposta.
Virava-se. Repetia os mesmos movimentos durante horas, até ficar exausto. Apenas então dormia.
Físico, empresário e líder de um movimento reformista uzbeque que foi em grande medida esmagado, Umarov, 54, foi preso pelas autoridades do Uzbequistão em 2005 e prontamente sentenciado a 14 anos de prisão por acusações que afirma serem falsas. Foi anistiado no final do ano passado, depois de uma campanha internacional que o declarou prisioneiro de consciência.
O Uzbequistão, uma antiga república soviética, é classificado por organizações de defesa dos direitos humanos como um dos países mais repressores do mundo.
Homem rico, Umarov havia muito tempo tinha residências em Tashkent, a capital do Uzbequistão, e no Tennessee. Nas primeiras entrevistas que concedeu, ele não demonstrou raiva, pelo menos não abertamente.
Disse que não queria fazer acusações abrangentes. Umarov optou por exercer outro papel: o de testemunha de sua própria tortura, sobrevivente que aderiu à meta de tornar menos comum a brutalidade contra detentos no Uzbequistão.
Sua recomendação é simples: o Uzbequistão, afirma, deveria instalar câmeras de vídeo em todas as suas prisões. Durante o período em que esteve encarcerado, Umarov passou por vários locais diferentes. Onde havia câmeras, disse, os guardas nunca o espancaram. Em sua avaliação, a tortura nas prisões uzbeques, amplamente documentada por organizações de defesa dos direitos humanos, raramente é praticada por ordem de autoridades superiores. Ela seria um instrumento grosseiro empregado por funcionários de médio e baixo escalões.
A história de Umarov revela os perigos que acompanham o ativismo no mundo pós-soviético. Em 2005, ele se manifestou contra a repressão governamental após uma fuga de presos e uma manifestação pública em Andijon. No outono do mesmo ano, foi detido e levado em um carro sem placas. Foi drogado, espancado, acusado de subscrever e dirigir o levante de Andijon e acusado de crimes financeiros. Em 2006, foi condenado e enviado à colônia prisional de Kizil-Tepa.
Umarov disse que foi torturado dez ou 12 vezes. Guardas o batiam na cabeça e nas solas dos pés. Drogas lhe foram ministradas à força, por via oral ou por injeção, que o deixavam inativo e, em alguns casos, catatônico. Em alguns dias no verão, foi deixado sem água em uma cela a céu aberto, sob o sol do deserto. Um dia, contou, guardas o seguraram contra uma beliche enquanto empurravam um de seus polegares para trás, deslocando-o.
Quase quatro anos do período que passou na prisão foram vividos em cela solitária, sem exercício, contato humano ou estímulo de praticamente nenhum tipo.
Umarov se recorda de um vazio avassalador. "Silêncio", disse, falando lentamente. "Silêncio. Silêncio.
Não há rádio. Não há leitura. Não há nada. Na janela, quatro fileiras de barras. Não dá para enxergar o céu. Nada. Um dia. Dois dias. Três dias. Quatro dias. Cinco dias."
"Silêncio. Nada. Um dia, você ouve um pássaro. Isso é alguma coisa. Você ouve um pássaro."
Sua mulher é cidadã americana. Richard B. Norland, o então embaixador americano no Uzbequistão, escreveu ao presidente uzbeque, Islam A. Karimov, pedindo anistia para Umarov por razões humanitárias e ressaltando a conexão americana com o caso. No final de 2009, Umarov foi libertado de repente, depois de meses de tratamento em um hospital da prisão.
Ele sugeriu que sua anistia deve ser vista como indicativo de que o Uzbequistão tem chances de avançar para uma situação de mais esperança. "Meu caso -o fato de eu ter sido solto- talvez seja um bom sinal", explicou.


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