São Paulo, segunda-feira, 11 de outubro de 2010

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ROBERTA SMITH
CRÍTICA DE ARTE


A história moderna dentro de casa

A cozinha moderna começou a ganhar forma por volta de 1900, e, desde então, tem sido um importante indicador das tendências do design. Ela tem sido também o cenário de uma batalha entre sistemas de crenças conflitantes. Com o declínio no emprego de serviçais, as donas de casa foram as primeiras a adotar novos produtos destinados a liberá-las de trabalhos penosos, e, ao mesmo tempo, viraram alvo de uma publicidade que impiedosamente definia as próprias mulheres como utensílios domésticos.
As cozinhas sempre foram locais fortemente simbólicos. Isso fica evidente na exposição "Counter Space: Design and the Modern Kitchen" [Contraespaço: o design e a cozinha moderna], até 14 de março no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA).
Usando cerca de 300 objetos e obras de arte, "Counter Space" mostra que a evolução do design na cozinha é paralela à difusão do gás e da eletricidade; à ascensão das cidades, da classe média e da consciência com a saúde; à crescente independência das mulheres; e naturalmente ao surgimento do próprio design moderno.
Duas guerras mundiais alimentaram a inovação ao promoverem a eficiência, pois causaram carências de alimentos e habitação, e levaram as mulheres para a força de trabalho. Com o crescimento urbano, as cozinhas precisaram de alimentos frescos, de energia para aquecimento e refrigeração e de meios para dispor do lixo, e assim se conectaram a redes urbanas ainda em formação.
A determinação do MoMA de abranger tudo de emblemático na vida moderna é admirável. Os objetos são mostrados cronologicamente, do saco de papel pardo criado por Charles Stillwell em 1883 até o espremedor de limão Juicy Salif, feito por Philippe Starck em 1988 (uma miniaranha de Louise Bourgeois), e o prático descascador Good Grips, da Smart Design, de 1989.
A peça mais magnífica é um dos últimos exemplos remanescentes de uma Cozinha Frankfurt desenhada em 1926-27 por Margarete Schütte-Lihotzky, a primeira arquiteta da Áustria. Produzida em massa para atender às dificuldades habitacionais causadas pela Primeira Guerra Mundial em Frankfurt, ela continua sendo um modelo de clareza e propósito.
A exposição contém três seções. "A Nova Cozinha" fala do design até a Segunda Guerra, quando a cozinha era concebida como uma espécie de laboratório muito sério. A forma ficava atrás da função.
A segunda, "Visões da Abundância", mostra a explosão de novos materiais, a ampliação dos mercados e os impactos urbanos que se seguiram à guerra, quando um designer alemão notou, de modo visionário, que "as cozinhas americanas são gordas; as europeias são magras".
Formas inteligentes e cores bonitas com frequência ganhavam destaque sobre a função.
Foi também o auge dos esbeltos eletrodomésticos da Braun, que fizeram o plástico parecer tão refinado quanto a porcelana, e sinalizaram o ressurgimento do design alemão.
Finalmente, "Dramas da Pia da Cozinha" aborda a Pop Art e continua até quase o presente. A progressão ilustra de forma aguda a relação entre a arte e o seu contexto social. Um exemplo vívido são os curta-metragens e comerciais de TV revelando estereótipos que os artistas começaram a desmantelar na década de 1970, com o avanço do feminismo. Claro que essa conexão é básica na história da arte, mas vê-la por meio de utensílios da vida real é outra coisa.


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