São Paulo, segunda-feira, 12 de julho de 2010

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Brasileira expõe arte "divertida e séria" em NY

Por LARRY ROHTER

A artista Rivane Neuenschwander estava ajoelhada no New Museum, em Nova York, cortando tiras do carpete em uma galeria do terceiro andar, enquanto procurava microfones escondidos no assoalho e nas paredes. Uma equipe de segurança e vigilância havia instalado os "grampos" a seu pedido, mas sem que ela soubesse sua localização; agora, os equipamentos registravam sua caçada na sala quase silenciosa.
A exposição de Neuenschwander, uma "revisão de meio de carreira" -ela tem 42 anos-, está no New Museum até 19 de setembro. Chama-se "A Day Like Any Other" (um dia como qualquer outro), mas este é definitivamente um dia incomum. A busca minuciosa fazia parte de uma nova obra, "The Conversation" (A conversa), inspirada no filme homônimo de Francis Ford Coppola de 1974, em que um especialista em "grampos" acredita que ele mesmo está sendo vigiado.
"Lembra-se daquela última cena maravilhosa em que Gene Hackman destrói seu apartamento procurando um microfone?", ela perguntou. "Esse tipo de paranoia me interessa, e, por isso, este trabalho é uma mistura de acaso e controle.
Não é preconcebido, é mais como um jogo, e só termina quando eu encontrar todos os microfones, que então serão substituídos por alto-falantes para tocar os sons de minha destruição desse espaço."
Os jogos aparecem com força em grande parte da arte de Neuenschwander, especialmente jogos destinados a transformar o espectador em participante de uma obra. Ela é brasileira, e faz parte de uma tradição de eliminar a distinção entre criador e espectador estabelecida por artistas brasileiros modernos como Lygia Clark e Hélio Oiticica.
"Acho que ela é completamente diferente de seus antecessores, mas eles também estão aí e são essenciais para se compreender seu trabalho", disse Richard Flood, curador-chefe do New Museum. "A ideia de agenciamento social é incrivelmente importante, e talvez seja o que ela e eles têm mais em comum: a crença na arte como algo participativo."
Neuenschwander também se inspira nas ricas tradições folclóricas de seu país. Uma de suas obras mais conhecidas -"I Wish Your Wish" (Eu desejo seu desejo), apresentada pela primeira vez em 2003- deriva de uma tradição popular entre peregrinos à igreja de Nosso Senhor do Bonfim, na Bahia, que amarram fitas em seus pulsos ou no portão dianteiro da igreja, na crença de que quando as fitas caírem ou se desintegrarem seus desejos serão concedidos.
Na variação de arte conceitual de Neuenschwander, fitas de seda coloridas foram estampadas cada uma com 1 dos 60 desejos deixados por espectadores anteriores da peça.
Os visitantes da exposição podem pegar uma fita de 1 dos 10.296 pequenos buracos na parede em troca de rabiscar um novo desejo em uma tira de papel e colocá-la no buraco. "Quando eu estava começando, me interessava muito pelo efêmero, por materiais cotidianos que desaparecem ou são submetidos a entropia, e por isso minha arte ficou marcada por rótulos como 'materialismo etéreo'", ela explicou.
Nascida em 1967 em Belo Horizonte, Neuenschwander tem ascendência suíça, portuguesa e indígena. Ela vive em sua cidade natal com seu marido alemão, Jochen Volz, diretor artístico do Centro Inhotim de Arte Contemporânea em Brumadinho, e seus dois filhos.
Outra de suas peças, chamada "Involuntary Sculptures (Speech Acts)" (Esculturas involuntárias -atos de discurso), tira seu título e sua inspiração das fotografias feitas em 1933 por Brassaï de grafites e outras manifestações efêmeras. Neuenschwander percorreu bares procurando os objetos tridimensionais que os clientes fazem com canudos, papel e plástico enquanto bebem e conversam e, então, ela os coloca sobre pedestais.
Por trás da aparência divertida de seu trabalho, diz Neuenschwander, com frequência espreita algo "mais sombrio e sério", ou mesmo obscuro. Os brasileiros podem ter a reputação de ser muito alegres, mas essa não é uma atitude ou um temperamento que ela compartilhe de modo geral.
"Gosto de senso de humor, mas eu mesma normalmente sou mais melancólica do que alegre", disse. "Acho que tenho medo, que levo as coisas no mau sentido e que a alegria que você vê é, na verdade, uma maneira de escapar de minha timidez."
Por exemplo, ela disse, a aparente esperança de "I Wish Your Wish" é na verdade uma maneira de fazer os espectadores articularem suas ansiedades mais primitivas. "Se você deseja saúde para si mesmo e sua família, é porque tem medo da doença", alega.


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