São Paulo, segunda-feira, 13 de junho de 2011

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INTELIGÊNCIA/ROGER COHEN

A política econômica nacional deixou de ter a importância do passado

Londres
Jean-Claude Trichet, o presidente do Banco Central Europeu, lançou proposta radical: a criação de um Ministério das Finanças europeu, dotado do poder de dirigir a política econômica e fiscal nos 17 países da zona do euro.
Trichet não definiu uma data para a concretização do plano. Ele reconheceu as dificuldades políticas para isso, em um momento em que a falta de entusiasmo pela integração europeia deu lugar à frase "Europa frígida". Mas deixou claro que os resgates internacionais de países que não alcançam as metas -operações do tipo na Grécia, na Irlanda e em Portugal- não podem se tornar habituais. Em algum dia, será necessária nova instituição europeia que seja capaz de coordenar e impor políticas econômicas.
Eu diria que isso é lógico. Uma moeda única acompanhada por políticas fiscais e orçamentárias nacionais divergentes é insustentável. O euro sempre foi um projeto político. Seu objetivo era levar a Europa um passo mais perto de uma espécie de Estados Unidos da Europa. Mas os europeus vêm empacando. As políticas econômicas nacionais -ou a pura e simples ineficiência grega- solapam frequentemente uma moeda transnacional.
De certo modo, é um problema que já é conhecido. A tecnologia vem impulsionando a criação de um mundo transnacional, através da comunicação instantânea e da mídia social, ao mesmo tempo em que os países relutam em abrir mão de sua soberania. As corporações são globais, as cadeias de oferta são globais, e a troca de ideias é global. Isso gera problemas, pois a autoridade nacional é obstinada, mas ineficaz quando confrontada com as forças econômicas, financeiras e políticas da modernidade, que passam por cima das fronteiras.
Não é apenas na Europa que esses problemas se manifestam. Nos EUA, a economia apresenta um quadro esdrúxulo, com crescimento anêmico e alto índice de desemprego, ao mesmo tempo que muitas corporações estão se saindo extremamente bem. Isso ocorre porque essas empresas podem ser americanas no nome, mas já se globalizaram há muito tempo. A política econômica é traçada em um contexto nacional que, concretamente, já deixou de existir para muitos dos seus atores principais. Logo, talvez não seja surpreendente que o impacto da política seja limitado.
A Primavera Árabe vem sendo uma história de redes transnacionais ágeis confrontando governantes nacionais convencidos de que podiam ignorar as ideias do mundo moderno ou sufocá-las com a repressão brutal. O despertar começou na Tunísia, com um chamado pela recuperação da dignidade, e se difundiu com a velocidade de um relâmpago. Os motores de sua difusão têm sido o Facebook, o Twitter e outras redes para as quais fronteiras nacionais deixaram de existir. Déspotas como Hosni Mubarak, no Egito, pensavam que poderiam frear o contágio democrático, mas descobriram que seus Estados policiais eram porosos e desajeitados. Outros, como Bashar Assad, na Síria, estão tentando suprimir o vendaval de modernidade com matanças em massa.
Algumas das respostas à Primavera Árabe estarão nos caminhos já empreendidos pela União Europeia: comércio sem fronteiras, um banco de reconstrução regional, possivelmente até mesmo uma união alfandegária norte-africana. Esses avanços toparão com resistências nacionais, e o progresso será hesitante.
Ao todo, não conseguimos articular uma nova ordem global que reflita o ritmo dramático da integração global. Países em desenvolvimento estão conquistando em uma geração a riqueza que os países da Europa levaram séculos para alcançar. Mais globalização está por vir, movida pela tecnologia, sejam quais forem as reações em contrário. A criação do G20 foi uma tentativa de refletir melhor essa realidade, mas a verdade é que, nas próximas décadas, serão necessárias mais instituições dotadas de poderes regionais ou globais maiores.
Um Ministério das Finanças europeu é uma ideia desse tipo. É uma ideia boa. Não tenho dúvida de que sua hora chegará, algum dia. O momento atual, contudo, é de frustração; os movimentos que estão com ímpeto são nacionalistas, como a Frente Nacional, de Marine Le Pen, na França, ou o movimento Tea Party, nos EUA.
A tribo passa à frente do impulso integrador da tecnologia. Ou, pelo menos, é o que parece estar acontecendo agora. Mas o motor que alimenta esse impulso é implacável, e o tempo vai prevalecer.

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