São Paulo, segunda-feira, 13 de setembro de 2010

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CIÊNCIA & TECNOLOGIA

Um médico nada ortodoxo que derruba crenças comuns

Por KATIE HAFNER
Eleições presidenciais podem ser fatais.
Conquiste um Oscar, e você provavelmente viverá mais tempo do que se tiver sido apenas candidato ao prêmio.
Faça uma entrevista para admissão em uma escola de medicina em um dia de chuva, e suas chances de ser aceito podem ser menores.
Tais são algumas das descobertas surpreendentes de Donald A. Redelmeier, pesquisador destacado que desacredita ideias preconcebidas no mundo médico.
Há mais de 20 anos, primeiro na Universidade Stanford, na Califórnia, e agora na Universidade de Toronto, Redelmeier, 50, vem aplicando rigor científico a tópicos que, em mãos menos conceituadas, talvez fossem desprezados, vistos como iconoclasmos. Ele desmentiu mitos sobre os fatores que predispõem à longevidade, sobre a organização do atendimento à saúde e sobre o funcionamento da mente médica.
Redelmeier foi o primeiro a estudar a relação entre telefones celulares e acidentes de automóvel. Um artigo que publicou em 1997 concluiu que falar ao celular enquanto se dirige é tão perigoso quanto dirigir sob o efeito de álcool. Seu colaborador Robert Tibshirani, estatístico em Stanford, disse que o artigo "provavelmente deixará no chinelo todos meus outros trabalhos em estatística, em termos de seu impacto direto sobre a saúde pública".
Como policlínico que trabalha no Hospital Sunnybrook, em Toronto, Redelmeier atende muitas vítimas de acidentes. Ele descobriu que cerca de 25% mais pessoas morrem em acidentes automobilísticos em dias de eleições presidenciais nos Estados Unidos do que em dias normais, fato que ele atribui ao aumento do tráfego nas ruas, a motoristas apressados e ao fato de pessoas dirigirem por caminhos que não conhecem.
A título de preparo para uma entrevista recente, Redelmeier tinha anotado sobre um cartão algumas das máximas de sua própria criação. "Muitas coisas indesejáveis acontecem quando as pessoas estão com pressa", leu.
Com essa ideia em mente, ele estudou a psicologia da troca de pistas quando se dirige por ruas ou estradas. Em um estudo de 1999, Redelmeier e Tibshirani descobriram que, embora às vezes pareça que os carros que estão na outra pista estão avançando mais rapidamente, não estão.
"Normalmente, todo motorista pensa que está na pista errada", explicou Redelmeier. "Você acha que mais carros estão ultrapassando você, quando, na realidade, você está ultrapassando carros igualmente rápido.
Mas você muda de pista mesmo assim, apesar de os benefícios serem ilusórios." Mudar de pista multiplica as chances de colisão mais ou menos por três.
Em dezembro, Redelmeier estudou os relatórios de entrevistas para admissões na escola de medicina da Universidade de Toronto feitas entre 2004 e 2009. Depois de correlacionar os escores obtidos nas entrevistas com arquivos meteorológicos, constatou que os candidatos entrevistados em dias de tempo ruim receberam classificações inferiores aos dos candidatos entrevistados em dias de sol.
Seu trabalho com a longevidade começou há dez anos, quando Redelmeier estava assistindo à entrega dos Oscar e observou que os candidatos "não se pareciam em nada com os pacientes que atendo na clínica".
"Eles pareciam tão mais vivazes. A impressão era que aquilo era muito mais que superficial e que poderia impactar até a longevidade deles."
Sua descoberta: os ganhadores de Oscar vivem em média três anos mais que os candidatos que não são premiados. Uma razão disso pode ser o escrutínio adicional, a expectativa pública de que vivam de modo saudável.
A abordagem de Redelmeier às pesquisas anda de mãos dadas com algumas características de personalidade decididamente esdrúxulas. Seus e-mails são escritos como listas, sendo um número atribuído a cada ideia.
Ele disse que faz isso para focar sobre o teor da mensagem, em lugar de deixar-se distrair por gramática, pontuação e sintaxe.
Apesar de colaborar com ele, Tibshirani tem reservas sobre algumas das escolhas de Redelmeier e negou-se a colaborar com o estudo sobre os ganhadores do Oscar.
"Achei que era frívolo. Já discutimos sobre isso", disse Tibshirani. Ele também questionou a pesquisa sobre o dia da eleição. "É claro que há mais trânsito nesse dia, então parecia evidente."
Essa perspectiva diverte Redelmeier. Indagado sobre isso via e-mail, ele respondeu com uma de suas mensagens numeradas:
15) Às vezes conto uma piada para tratar do assunto
16) ou seja, a capacidade das pessoas de avaliar "frivolidade"
17) ou seja, imagine Charles Darwin 150 anos atrás
18) na época ele decepcionou seu pai ao descuidar do estudo de medicina
19) e pediu, em vez disso, para tirar dois anos de férias nos trópicos
20) com ênfase na observação de aves (tentilhões)
21) o pai não ficou bem impressionado e achou que seu filho estava perdendo tempo
Redelmeier leva a sério os resultados de suas pesquisas. Ele vai trabalhar de bicicleta, e, quando sai de carro, resiste "às tentações pequenas de mudar de pista".


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