São Paulo, segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Pela honra, matar é legítimo

Por JOHN LELAND
e NAMO ABDULLA

DOKAN, Iraque - Os crimes de honra têm uma longa história no Iraque e aqui na região semiautônoma do Curdistão.
Mais de 12 mil mulheres foram mortas em nome da honra no Curdistão de 1991 a 2007, segundo Aso Kamal, da Rede Contra a Violência Doaa. Os números do governo são muito menores e mostram um declínio nos últimos anos, e a lei curda obriga desde 2008 que uma morte de honra seja tratada como qualquer outro assassinato. Mas a prática continua, e o crime, muitas vezes, é ocultado ou disfarçado para parecer suicídio.
Enquanto alguns legisladores iraquianos tentam reprimir as mortes de honra, um caso ilustra como é difícil extirpar um código tribal profundamente enraizado.
Sirwa Hama Amin apaixonou-se por seu vizinho, Aram Jamal Rasool, nesta aldeia no norte do Iraque. Amin, 22, e Rasool, 27, cresceram na mesma rua empoeirada. O pai de Rasool, Jamal Rasool Salih, 58, um general aposentado do Exército curdo, ou pesh merga, ajudou a família de Amin a se mudar do Irã para Dokan em 1993, e as duas famílias tornaram-se entrelaçadas.
Como o general Salih, os irmãos e tios de Amin entraram para o Exército e o partido político dominante na cidade. Um dos irmãos dela se casou com a filha do general e tornou-se seu guarda-costas; Aram, um filho do general, visitava com frequência a casa de Amin.
A dupla inicialmente escondeu seu relacionamento. O general Salih disse que considerava os parentes de Amin soldados indisciplinados e desordeiros. A senhora Amin zombava de Rasool, pois ele mancava.
Então, o irmão de Amin a apanhou mandando uma mensagem para Rasool em seu celular. No Iraque socialmente estratificado, os celulares e a internet permitem que os namorados se comuniquem livres da censura de suas famílias. Mas isso tem um preço, segundo Behar Rafeq, diretora do Abrigo para Mulheres Ameaçadas em Erbil. Das 24 mulheres que estavam no abrigo em um dia recente, 15 tinham sofrido ameaças ou violência por causa de suas comunicações por celular ou pelo Facebook, ela disse.
Amin disse que seus parentes homens ameaçaram afogá-la e tiraram seu telefone. Qadir Abdul-Rahman Ahmed, o tio de Amin, negou as ameaças. Se os dois desejavam se casar, ele disse, a maneira adequada era que o general Salih pedisse a mão dela. Mas ele mandou substitutos.
Ela tornou-se prisioneira em sua casa. Um dos irmãos de Rasool disse que, quando fez uma visita, encontrou Amin chorando e espancada, com o rosto inchado.
O casal ficou desesperado, ela disse, e planejou formas de se matar. Em 2 de setembro de 2009, ela conseguiu fugir de casa. Rasool esperava em um veículo esportivo-utilitário, com uma granada que tinha roubado do pai. Eles foram à polícia, explicaram que tinham sido ameaçados porque queriam se casar.
Rasool foi detido por posse da granada; Amin foi enviada para um abrigo para mulheres agredidas.
"Ele foi preso, pois eu quis que ele fosse, por segurança", disse o general Salih. "No dia em que fugiram, o tio dela, um capitão, me telefonou e disse: 'Vou queimar sua casa e matar vocês se não trouxerem o casal de volta hoje'."
Os jovens apelaram ao tribunal e se casaram. Amin disse que sua família aceitou uma trégua: se os recém-casados prometessem deixar Dokan e nunca mais voltassem, seus parentes concordariam em não caçá-la.
O casal se instalou em Sulaimaniya, a uma hora de distância. Três meses e meio depois, segundo Amin, ela ouviu tiros, e seu marido gritando seu nome.
Ela o encontrou coberto de sangue, e um dos irmãos de Amin apontava uma arma para ela. Atiradores haviam disparado 17 vezes contra Rasool; Amin, que estava grávida de dois meses, recebeu quatro tiros. Segundo Ahmed, o irmão que atirou foi Hussein Hama Amin, também soldado. Hussein Amin negou ter matado o cunhado, mas disse que pagou US$ 10 mil para que outro irmão e um dos irmãos de Rasool matassem o casal. "Por que ela deveria viver depois de ter sido tão irresponsável sobre a honra de sua família?", disse o irmão de Amin.
Ninguém foi preso.
Seu partido político local e os líderes tribais e religiosos reuniram as famílias em um conselho diante de mais de 4.000 moradores. O general Salih disse que foi pressionado a perdoar os assassinos de seu filho e a prometer que não os mataria. A família de Amin teve de prometer não matá-la.
"Que Deus a mate", disse Hussein Amin. "Nós não a mataremos." Seus parentes disseram que a deserdaram, mas não lhe farão mal.
Hoje, Amin vive com seu bebê a menos de 100 metros de sua família. Ela teme que eles tentem matá-la. Quando sai de casa, é escoltada por parentes armados de seu marido. Pelo costume curdo, ela está agora desgraçada e é inadequada para se casar.
O general Salih continua amargurado com seus vizinhos e os líderes tribais, que se recusaram a efetuar detenções. "Eu sou uma pessoa poderosa. Poderia matá-los, mas não vou", disse.
"Eles deveriam ser presos", disse. "Em vez disso, recebem salários. Não há lei."


Texto Anterior: Quando sexo não rima com sucesso
Próximo Texto: Lente: O outro Big Brother

Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.