São Paulo, segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

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ENSAIO

A vida moderna é repleta de zumbis

CHUCK KLOSTERMAN

Não é possível acrescentar muita profundidade a um zumbi. O zumbi não consegue falar nem pensar, e a única coisa que o motiva é o consumo de carne. Não dá para humanizar um zumbi, a não ser que você o torne menos parecido com um zumbi. Existem zumbis lerdos e outros velozes, e é mais ou menos esse o espectro da diversidade dos zumbis.
Mas cerca de 5,3 milhões de pessoas nos EUA assistiram ao primeiro episódio do seriado de TV "The Walking Dead" -um número 83% maior do que as que acompanharam a estreia da quarta temporada de "Mad Men". Há algo nos zumbis que está se tornando mais interessante para nós, e acho que sei o que é. Não é que os zumbis estejam mudando para acompanhar a condição do mundo -é que a condição do mundo lembra mais e mais uma ofensiva de zumbis. Muita coisa que faz parte da vida moderna é como dizimar zumbis.
Se há uma coisa que nós compreendemos quanto à matança de zumbis, é que o ato é pouco complicado: você dispara um tiro à queima-roupa no cérebro do bicho. Esse é o primeiro passo.
O segundo passo é fazer o mesmo com o zumbi seguinte, que toma o lugar do primeiro. O terceiro passo é idêntico ao segundo, e o quarto passo não é diferente do terceiro. Repita esse processo até que: a) você morrer ou b) os zumbis se esgotarem. É a única estratégia viável, realmente.
Toda guerra contra zumbis é uma guerra de atrito. Ela é mais repetitiva que complexa. Em outras palavras, matar zumbis é filosoficamente semelhante a ler e deletar 400 e-mails de trabalho na segunda-feira pela manhã, preencher formulários burocráticos que apenas geram mais formulários, acompanhar a fofoca do Twitter por obrigação, e realizar tarefas maçantes nas quais o único risco real que você corre é ser consumido pela avalanche. O maior porém de qualquer ataque de zumbis é que os zumbis nunca vão parar de atacar; o maior porém da vida é que você nunca vai dar por encerrado seja o que for que você faz.
A internet nos faz lembrar disso todos os dias.
Eis um trecho de um texto da escritora mais ou menos jovem chamada Alice Gregory, tirado de um ensaio recente sobre o romance distópico "Super Sad True Love Story", de Gary Shteyngart, publicado no periódico literário "n+1": "É difícil não pensar em 'instinto de morte' cada vez que entro na internet", ela escreve. "Abrir o Safari é uma decisão destrutiva. Estou pedindo que a consciência seja tirada de mim."
O medo que Gregory dirige a si mesma é tematicamente semelhante ao modo como o cérebro de um zumbi é descrito por Max Brooks, autor da história oral fictícia "World War Z" e do manual de auto-ajuda que a acompanha, "The Zombie Survival Guide". "Imagine um computador programado para executar uma função. Essa função não pode ser pausada, modificada ou apagada. Não é possível armazenar dados novos. Não podem ser instalados novos comandos. Esse computador vai executar essa única função, sem parar, até que, em algum momento, sua fonte de energia se esgote", escreveu.
Esse é nosso medo coletivo, nossa projeção comum: sermos consumidos. Os zumbis são como a internet, a mídia e as conversas que não queremos ter. Tudo isso nos ataca interminavelmente (e sem pensamento ou razão).
Enquanto continuarmos a deletar o que estiver à nossa frente, sobreviveremos. Vivemos para eliminar os zumbis de amanhã. Combater zumbis é como combater qualquer coisa -ou tudo.
Se você gosta de zumbis, gosta do conceito todo dos zumbis. Você se interessa pelo que os zumbis significam, você gosta de como eles se movimentam e entende o que é necessário para frear o avanço deles.
E essa é uma atração tranquilizadora, porque esses aspectos não mudam realmente. Já se tornaram conhecimento comum.
Alguns dias antes do Halloween, eu estava no interior do Estado de Nova York com três outras pessoas, e, não sei bem como, chegamos ao Paiol do Terror nos arredores de uma cidade chamada Lake Katrine. O melhor foi quando nos levaram para um milharal nas proximidades. O campo estava cheio de atores amadores; alguns faziam o papel de militares, e outros dos "infectados", como eles os chamavam. Nos disseram para correr pelo milharal enluarado se quiséssemos viver; enquanto corríamos, soldados armados gritavam instruções contraditórias, e zumbis sibilantes emergiam da escuridão cheia de milho. A ideia era que fosse divertido, e foi.
Mas, pouco antes de mergulharmos no milharal, um de meus companheiros falou: "Sei que a ideia é que isto seja assustador, mas tenho bastante confiança em minha capacidade de enfrentar um apocalipse de zumbis. Me sinto estranhamente bem informado sobre o que fazer neste tipo de cenário."
Não pude discordar. Todos nós conhecemos esse cenário: se você desperta de um coma e não vê um médico ou enfermeiro imediatamente, deve supor que os zumbis tomaram conta do mundo. Não viaje à noite; mantenha suas cortinas sempre fechadas. Não deixe que um zumbi cuspa sobre você. Se você derrubar um zumbi, atire uma segunda bala no tronco cerebral dele. Mas, sobretudo, nunca suponha que a guerra terminou. Os zumbis que você matar hoje serão simplesmente substituídos pelos zumbis de amanhã. Mas você pode dar conta, meu amigo. É decepcionante, mas não é difícil. Mantenha o dedo no gatilho. Não pare de deletar. Responda as mensagens deixadas na secretária eletrônica e assinale sua concordância. Este é o mundo dos zumbis, e, por acaso, vivemos nele. Mas podemos viver melhor.


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