São Paulo, segunda-feira, 14 de março de 2011

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NOSSA FORMA DE COMER

Comeu tudo isso? Não pode ser verdade

Apetite pelos hábitos alimentares das celebridades

Por JEFF GORDINIER

Jennifer Lawrence, indicada ao Oscar por seu desempenho no papel principal em "Inverno da Alma", quer que as pessoas saibam que um café da manhã pequeno não vai satisfazê-la. "Sou maníaca em relação ao café da manhã", ela explica a um redator da revista "Esquire" que está aqui para entrevistá-la. "Você vai pedir alguma coisa tipo fruta? Porque eu vou comer." Ficamos sabendo, então, que Lawrence costuma "pedir ovos Benedict sem mesmo olhar o cardápio".
Situações como essas estão se tornando cada vez mais familiares para os leitores de revistas femininas ou de celebridades, que dependem de entrevistas com famosos para gerar repercussão e aumentar suas vendas em banca. Um jornalista encontra uma jovem estrela em ascensão para o café da manhã, almoço ou jantar. A esbelta atriz frustra nossas expectativas ao pedir e consumir, com gosto manifesto, uma refeição que seria capaz de satisfazer um estivador faminto.
Casos como esses tornaram-se tão comuns que um publicitário de cinema, Jeremy Walker, cunhou um termo de arte para descrevê-los: a Instância Documentada de Comer em Público, ou Dipe, sua sigla inglesa. Foi o caso, por exemplo, de Cate Blanchett, em um impulso, pedindo abobrinhas fritas com parmesão como acompanhamento em um restaurante de Londres e dizendo a uma jornalista da "Vogue" que não pretendia dividir o prato: "Acho que é melhor cada uma pedir o seu, senão o nível pode baixar".
Parece que Cameron Diaz não resiste a um hambúrguer com fritas. Beyoncé Knowles recorreu a sorvete de manteiga de noz-pecã quando estava se preparando para o papel de Etta James em "Cadillac Records".
Desde um ponto de vista prático, essa fixação com a nutrição das celebridades só pode ser subproduto do acesso restrito. Atentos para desviar perguntas invasivas, os assessores de publicidade de celebridades tornaram-se hábeis em comprimir conversas com repórteres ao mínimo. "Antigamente, você não passava simplesmente uma hora com alguém", comentou Kevin Sessums, que escreve para publicações como a "Vanity Fair". "Você passava três ou quatro dias com a pessoa."
Em vista da escassez de material, os jornalistas que escrevem sobre celebridades, provavelmente, não deveriam ser criticados por sucumbir a uma aula amadora de semiótica gastronômica, na qual cada bocada supostamente proporciona algum insight a respeito da pessoa sobre a qual se escreve.
Mas Sessums vê as entrevistas marcadas em restaurantes como uma espécie de obstrução à moda de Hollywood. "Prefiro que a entrevistada esteja com a boca livre para poder conversar", ele explica. "Se ela coloca maionese e mostarda sobre um hambúrguer, em lugar de picles e molho, isso não me revela nada sobre a pessoa com quem estou tentando falar."
Ou será que revela algo, sim? Em uma arena de mídia em que uma atriz como Keira Knightley é criticada por sua magreza angular, enquanto Christina Hendricks, do seriado de TV "Mad Men", é fetichizada por suas curvas à moda antiga, fica claro que o tema de como comem as mulheres bonitas virou uma espécie de obsessão. Uma Dipe pode não lançar muita luz sobre a vida interior de uma atriz, mas sua frequência parece nos revelar algo sobre padrões, avaliações e anseios sociais.
"Você não morre de pena das atrizes?", pergunta Bumble Ward, que foi assessora publicitária em Hollywood durante anos. "Elas têm tanta certeza de que as pessoas supõem que elas sofram de alguma desordem alimentar que são obrigadas a engolir porções gigantescas de 'comfort food' para parecerem normais" (comfort food: comida que se consome para proporcionar tranquilidade ou alívio emocional).
O fato de que as atrizes dependam da comida para sobreviver não deveria surpreender ninguém. Mesmo assim, destacar o que elas comem durante uma entrevista parece suscitar ceticismo.
"Acho que atrizes não comem de verdade, realmente acho que não", disse Sara Jenkins, que comanda dois restaurantes em Manhattan. "Quando as vejo devorando frango frito e hambúrgueres, acho que isso é apenas um gesto para indicar 'ela não passa de uma pessoa normal'. Mas por que elas deveriam ser pessoas comuns, gente como a gente? Elas não são, sabia?"
Para uma observadora cultural como a intelectual vegana e feminista Carol J. Adams, a Dipe não passa de uma piscadela em tom de brincadeira. Para ela, a sexualização da comida é um meio de desviar a atenção dos carnívoros da realidade horripilante de como é produzida a comida que consomem.
Anna Holmes, editora fundadora do site de desconstrução cultural Jezebel, voltado às mulheres, vê a Dipe com ceticismo. "Quando um jornalista faz menção especial ao que uma atriz está comendo, especialmente quando se trata de algo incrivelmente engordativo ou de alto teor calórico, fico desconfiada -imagino que seja uma notícia plantada", disse ela.


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