São Paulo, segunda-feira, 14 de março de 2011

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Moradores de cidade saboreiam formigas

Por ALEXEI BARRIONUEVO
e MYRNA DOMIT


SILVEIRAS, Brasil - Jorge da Silva, 58, pegou uma saúva gigante do chão, arrancou suas asas, pernas e cabeça e a jogou em sua boca. "Tem gosto de hortelã", comentou, fazendo um som audível ao mastigar o inseto.
Silva estava percorrendo as colinas em volta desta cidade de 6.000 habitantes, em busca de uma delícia gastronômica rara: içás ou saúvas rainhas. As fortes chuvas da primavera fazem com que as formigas saiam da terra, e, durante algumas semanas, Silveiras mergulha em um frenesi de caça às rainhas formigas. Mas as saúvas estão diminuindo de número. A culpa disso é principalmente dos pesticidas usados no cultivo de eucaliptos, plantados para produzir celulose para papel e outros produtos, disseram autoridades locais.
Assim, diferentemente dos colombianos, que exportam suas "hormigas culonas" -rainhas formigas de bunda grande- para a França, o Reino Unido e outros países, os moradores de Silveiras guardam as tanajuras para consumo próprio.
A população de Silveiras -e as pessoas que todos os anos vêm de centenas de quilômetros de distância para comprar as formigas- valorizam o inseto não apenas por sua proteína, mas como afrodisíaco e fonte de antibióticos naturais.
As içás não são formigas comuns. São grandes, podendo chegar a 2,5 centímetros de comprimento, e sua picada é dolorosa.
Os moradores de Silveiras dizem que as formigas estão ameaçadas. Movido pela economia brasileira em franco crescimento, o cultivo do eucalipto está sendo altamente rentável para alguns fazendeiros da região, que já deixou de ser importante produtora de gado e café.
"Com a urbanização e com o veneno que estão pondo no solo, não nos resta muito tempo", comentou a escritora e antropóloga Vera Toledo, 67.
Os moradores de Silveiras não tentaram converter as içás em empreendimento comercial. Embora digam que o dinheiro seria útil, muitos parecem estar mais interessados em preservar a tradição -e conservar a população de saúvas para eles mesmos.
Ocílio Ferraz é o "guru das içás" de Silveiras e se dedica a conservar viva a tradição do consumo das formigas. Ele resiste aos esforços para exportar as içás, preferindo receber visitantes em seu restaurante, onde tem uma cozinha especial dedicada à fritura das içás. Ferraz, 72, disse que cresceu comendo içás em casa e transmitiu a tradição a seus filhos. Vinte anos atrás, ele promoveu uma festa da içá que atraiu mais de 400 pessoas. O sucesso o levou a criar um centro de artes e artesanato dedicado à tradição.
Pouco a pouco, ele foi ajudando a derrotar o estigma que cercava o consumo das tanajuras, algo que era visto como um costume reservado às famílias mais pobres. "Muitas pessoas diziam que tinham vergonha de comer içás", disse Ferraz. No entanto, no outono de cada ano, "a cidade inteira cheirava à formiga frita". Hoje, os moradores de Silveiras falam mais abertamente do gosto que sentem pelas rainhas formigas crocantes. "Sou fã de içá", disse Maria José Camargo, 29. "Adoro. Economizo o ano inteiro para gastar com içá." Jorge da Silva, o caçador de içás, captura as saúvas com as mãos, sem usar luvas. Ele leva picadas frequentes; depois de um dia passado pegando içás, suas mãos geralmente estão sangrando. Os caçadores de içás vendem as formigas a Ocílio Ferraz por cerca de US$ 15 o litro. Ele cobra mais ou menos US$ 12 por uma travessa grande de farofa de içá (com farinha de mandioca frita na banha de porco) que dá para duas pessoas.
Edson Mendes Mota foi prefeito de Silveiras e hoje é diretor de desenvolvimento da cidade. Ele diz que não gosta de içá, mas sua mulher tem oito quilos de formigas no congelador da casa deles. Mota apoia o setor crescente de plantio de eucalipto. Disse que os fazendeiros têm o direito de plantar as árvores, cujo cultivo é altamente lucrativo, mas que o plantio precisa ser regulamentado.
O presidente da Câmara Municipal de Silveiras, Alair Duarte, propôs que o plantio de eucalipto seja limitado para que as saúvas possam se reproduzir. "Se não fizermos isso logo, não vão sobrar içás", disse ele.
"As pessoas dizem que há muitas içás nos cemitérios, porque elas comem os cérebros das pessoas", falou Osmar da Silva, 43, vendedor de içás. Mas admitiu: "Nunca tive coragem de ir ao cemitério para ver".


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