São Paulo, segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

Turcos relembram seu império com saudosismo

Por DAN BILEFSKY
ISTAMBUL - Mais de oito décadas atrás, Ertugrul Osman, herdeiro do trono otomano, foi expulso da Turquia, junto com sua família. Viveu até os 97 anos, passando a maior parte da vida num modesto apartamento em Manhattan.
Mas, em setembro, milhares de pessoas compareceram ao seu funeral na mesquita Sultanahmet, em Istambul. Tal reverência ao homem que poderia ter sido sultão foi a mais recente manifestação daquilo que os sociólogos chamam de "otomania", o saudosismo do Império Otomano, uma época de conquistas e esplendor cultural, na qual os sultões governavam um território que ia dos Bálcãs ao Índico e reivindicavam a liderança espiritual do mundo islâmico.
Historiadores viram o funeral de Osman como um momento seminal na reabilitação da era otomana, que passou décadas sendo demonizada por alguns na República turca moderna e secular criada por Mustafa Kemal Atatürk em 1923. Durante o governo de Atatürk, o império era lembrado principalmente por sua decadência e pela humilhante partilha após a derrota na Primeira Guerra Mundial.
A saudade dos anos de glória -tanto por religiosos quanto por laicos- reflete em parte a frustração dos turcos com uma União Europeia que parece relutar em aceitá-los como membros. E, num país onde a tensão entre religião e secularismo nunca está longe da superfície, os membros de uma nova classe governante de muçulmanos religiosos aproveitam a nostalgia para desafiar a elite pró-ocidental que emergiu no regime de Atatürk e para ajudar a forjar a identidade nacional de uma Turquia que aspira à liderança regional. "Os turcos são atraídos pelo heroísmo e a glória do período otomano porque isso lhes pertence", disse Ilber Ortayli, que, como diretor do suntuoso palácio Topkapi, onde os sultões viveram por 400 anos, é também um zeloso guardião extraoficial do legado otomano.
A "otomania" às vezes se manifesta de formas que deixariam um sultão constrangido.
Durante o Ramadã, o Burger King ofereceu um menu especial com pratos populares na época otomana. No comercial de TV que o anunciava, um janízaro (soldado de um corpo de elite das tropas otomanas), de turbante, conclamava os espectadores a "não deixar nenhum hambúrguer em pé".
A moda atinge também a juventude turca. Nas casas noturnas mais descoladas, frequentadores na faixa dos 20 anos vestem camisetas com slogans como "o império contra-ataca" ou "turcos terríveis" -o qual transforma o antigo insulto dos europeus contra os invasores otomanos em um desafiador símbolo de autoafirmação.
O renascimento otomano também é visível nos primeiros escalões da política, nos quais o Partido Justiça e Desenvolvimento, de inspiração islâmica, tem cortejado agressivamente as ex-colônias do império, inclusive Iraque e Síria, numa reorientação ao menos parcial da política externa em direção ao Oriente, que analistas turcos rotulam como "neo-otomana". Essa mudança causa preocupação em Europa e EUA.
Pelin Batu, que apresenta um popular programa histórico da TV, argumentou que a glorificação da era otomana por um governo com raízes no islã político reflete uma revolta contra a revolução cultural laica promovida por Atatürk. "A otomania é uma forma de empoderamento islâmico para uma nova burguesia muçulmana que está reagindo contra a tentativa de Atatürk de relegar a religião e o islã", disse ela.
Numa sociedade que luta com a sua identidade, nem todos saúdam esse fenômeno. Alguns críticos acusam seus adversários de maquiarem o declínio do império e de glorificarem um sistema anacrônico que, no mínimo, esteve atolado na corrupção e nas disputas internas em seus últimos anos. O massacre de armênios otomanos, entre 1915 e 1918, é uma mancha particularmente negra na história do império.
"Os religiosos atualmente no poder estão tentando alimentar o povo turco com um veneno otomano", disse a dona de casa Sada Kural, 45, defensora de Atatürk. "A era otomana não foi um bom período; os direitos eram suprimidos."

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