São Paulo, segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

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Inteligência

Roger Cohen

Inércia é a melhor resposta à inércia

Nova York
Sempre me perguntam qual é o "porrete" no caso do Irã. Já que a "cenoura" [da política de "sticks and carrots"] do presidente dos EUA, Barack Obama, ao regime não gerou resultados, e o programa nuclear do país prossegue, qual deveria ser a punição que persuadirá o Irã? Não acho que a resposta esteja em sanções ou outras expressões da frustração ocidental. O "porrete" para o presidente Mahmoud Ahmadinejad é a sociedade iraniana. Ela continua a fermentar, mais de cinco meses depois da polêmica eleição de 12 de junho.
A feroz repressão não sufocou a rebelião do YouTube. Os vídeos dos bravos manifestantes nas ruas e campi imprimiram uma nova marca ao Irã, um país cuja menção hoje evoca imagens da juventude, e não de mulás barbudos com os dedos em supostos botões nucleares. Conforme disse o líder oposicionista Mir Hossein Moussavi nas manifestações mais recentes, o regime está caçando "sombras nas ruas", enquanto, na cabeça dos iranianos, "seus bastiões caem constantemente".
É um momento muito delicado. As divisões internas do regime, reveladas por uma política ainda mais incoerente que o usual, e desafios externos, evidentes no constante desenrolar dos protestos, se combinaram para criar uma crise na República Islâmica. Como resultado, o Irã é o interlocutor dos infernos para o Ocidente. Provou-se incapaz de dar respostas claras sobre suas atividades ou planos nucleares. Mas o governo Obama e seus aliados devem resistir à tentação de ceder à sua frustração. Não fazer nada pode ser eficaz. O Ocidente deve responder com inércia à inércia do Irã.
Lembrei-me disso com os recentes relatos sobre a queda do Muro de Berlim, em 1989. Ao longo daquele ano de milagres, moderação era o grito de guerra em Washington. O primeiro presidente Bush, obcecado com os perigos da instabilidade, não tinha certeza sobre o que fazer. Conforme escreveu Timothy Garton-Ash sobre aquele ano, "a contribuição dos EUA está principalmente no que eles não fizeram".
As autoridades ocidentais deveriam recordar isso quando cresce a pressão por "sanções paralisantes" ao Irã. Ninguém as saudaria mais do que o regime, que novamente exultaria para falar da "arrogante potência" que tenta deixar o Irã de joelhos. Além disso, o Irã está habituado a sanções, pois convive há muito tempo com elas e desenvolveu canais sofisticados para contorná-las. E não vejo razões -que não sejam da boca para fora- para crer que China e Rússia queiram prejudicar o Irã.
O que está acontecendo no Irã é crucial para o mundo por pelo menos duas razões. Depois de 1989, Francis Fukuyama declarou o fim da história e previu "a universalização da democracia liberal ocidental como a forma final de governo humano". Duas décadas depois, provou-se que ele estava errado: o autoritarismo, em várias formas, floresceu no século 21. Mas o Irã nos lembra como pode ser insaciável a sede humana por maior liberdade e por um governo mais representativo.
Um dos gritos dos manifestantes iranianos, porém, é "Allah-u-Akbar", "Deus é grande". Não se ouviu nada sobre a grandeza de Deus nas ruas de Praga. Os iranianos não estão buscando a "democracia liberal ocidental". Estão buscando algum caminho não teocrático, mas também não secular, para o pluralismo, algum meio de garantir que o termo "República Islâmica" faça sentido. Num mundo acossado pelo abismo entre o Ocidente e o islã, essa busca é da maior relevância.
Obama e os governos europeus devem tomar muito cuidado para não colocar suas frustrações nucleares acima das frustrações democráticas mais graves dos iranianos. É, afinal, a abertura ocidental, e não o castigo, que levou o Irã a este ponto.
Mas e o programa nuclear iraniano? Ele continua opaco, preocupante e sério -um exercício de ambiguidade provocativa. Mas, a julgar pelas evidências dos últimos 40 anos, não é a corrida para uma bomba. O Ocidente, por sua vez, tampouco deve correr agora para uma ação que lhe faça sentir bem, mas que possa prejudicar o porrete que é a turbulência interna do Irã.


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