São Paulo, segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

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DINHEIRO & NEGÓCIOS

Irã assume risco para consertar economia

Fim dos subsídios pode causar instabilidade

Por ROBERT F. WORTH
BEIRUTE, Líbano - O mundo exterior pode estar absorto no confronto entre o Irã e o Ocidente por causa do programa nuclear patrocinado por Teerã. Mas, em casa, os iranianos estão mais preocupados com um novo esforço ambicioso e arriscado para recuperar a problemática economia do país.
Se der errado, o plano para extinguir progressivamente o sistema de subsídios estatais, que existe há décadas, poderia desestabilizar o governo de Mahmoud Ahmadinejad, que defende agressivamente a mudança.
Mas também poderá ajudar a libertar o Irã de sua dependência da gasolina estrangeira e proteger a economia de novas sanções -que são uma forte possibilidade se o Irã continuar resistindo à pressão ocidental sobre seu programa nuclear.
Legisladores de todo o espectro político advertiram sobre choques de preços catastróficos quando os subsídios forem suspensos. Os conservadores parecem preocupados com as repercussões, e alguns dizem que o plano poderá causar uma onda de crimes, ou coisas piores. Líderes de oposição como Mir Hossein Mousavi sugeriram que o fracasso do governo em solucionar as dificuldades econômicas poderá ser seu novo mote de campanha.
Existe um acordo generalizado de que vender produtos cotidianos a preços muito abaixo dos de mercado, o que custa ao governo iraniano estimados US$ 100 bilhões por ano, não tem sentido econômico. Isso encoraja o excesso de consumo, desincentiva a produção interna e torna o Irã mais dependente de importações, dizem os economistas. Os subsídios também são regressivos, porque os ricos pagam os mesmos preços que os pobres, e incentivam o contrabando.
Governos anteriores tentaram eliminar os subsídios e construir uma economia mais dinâmica, voltada ao mercado, mas recuaram diante da pressão popular. Ahmadinejad -que há muito tempo se retrata como defensor dos pobres- pressionou fortemente sobre a questão, e no mês passado o Parlamento lhe deu autoridade para cortar subsídios neste ano.
Ahmadinejad, que não é conhecido por favorecer soluções fortes pró-mercado para a debilitada economia do Irã, apresentou a medida como uma questão de justiça econômica. Ele diz que metade do dinheiro que o governo economizar eliminando os subsídios ajudará os iranianos mais pobres a se adaptar aos preços mais altos.
Mas ele também tem motivos políticos. As mudanças vão atingir mais duramente a classe média urbana, que tendeu a votar nos adversários de Ahmadinejad. E os riscos são sérios. "A realidade é que, com a reforma dos subsídios, haverá muito mais pressão sobre a população, e Ahmadinejad estará percorrendo uma linha fina", disse Trita Parsi, presidente do Conselho Nacional Americano-Iraniano.
Remover o apoio aos preços quadruplicaria imediatamente o preço da gasolina e poderia resultar em aumentos semelhantes para os produtos básicos e um índice de inflação de 60% ou mais, segundo o Centro de Pesquisas Majlis, um ramo do Parlamento.
O setor industrial do Irã, já fraco, poderia sofrer. O diretor da Câmara de Comércio da cidade de Sari, Mousa Vafayan, disse recentemente ao site de notícias Khabaronline que 30% das fábricas já foram obrigadas a suspender a produção por causa de aumento de preços, políticas de importação indiscriminada e taxas de juros inflexíveis.
Alguns legisladores chamaram a revisão de uma traição do aiatolá Ruhollah Khomeini, fundador da Revolução Islâmica do Irã, que prometeu: "Vamos construir imóveis, tornar gratuitos a água, a eletricidade e os ônibus".
Mesmo os que defendem uma reforma desconfiam da capacidade de Ahmadinejad para realizar mudanças econômicas tão vitais. A desconfiança se baseia na experiência. Em maio de 2007, o governo aumentou o preço da gasolina em 25% e, um mês depois, introduziu o racionamento de gás. O plano foi considerado eficaz, mas foi adotado de maneira inadequada, provocando rumores, protestos contra o governo e o incêndio de pelo menos 19 postos de gasolina. Desta vez, as mudanças são muito mais abrangentes e menos previsíveis.
Estranhamente, uma coisa que poderia facilitar a reforma dos subsídios são mais sanções internacionais, o instrumento mais discutido pelos líderes ocidentais como opção para pressionar o Irã se as atuais negociações nucleares falharem. Uma redução do consumo beneficiaria as finanças do Estado iraniano, porque não haveria mais necessidade de pagar por importações de gasolina. Isso poderia disfarçar a dor da reforma dos subsídios, permitindo que o governo culpasse o Ocidente por qualquer inflação decorrente.


A reportagem teve a colaboração de um jornalista no Irã



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