São Paulo, segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

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CIÊNCIA & TECNOLOGIA

Cultura perdida sai da obscuridade

Por JOHN NOBLE WILFORD
Antes da glória de Grécia e Roma, antes mesmo das primeiras cidades mesopotâmicas ou dos templos do Nilo, vivia no vale do Baixo Danúbio e ao pé das montanhas dos Bálcãs um povo que estava à frente do seu tempo em termos de arte, tecnologia e comércio.
Durante 1.500 anos, a partir de antes de 5000 a.C., eles praticavam a agricultura e construíam cidades com até 2.000 casas. Dominavam a fundição do cobre em larga escala, uma tecnologia nova na época. Suas tumbas continham um impressionante conjunto de lindas toucas, colares e artefatos de ouro. Os notáveis desenhos da sua cerâmica mostram o refinamento da sua linguagem visual.
Arqueólogos e historiadores dizem que novas pesquisas têm ampliado a compreensão sobre essa cultura. A escrita ainda não havia sido inventada, então não se sabe como esse povo chamava a si próprio. Para alguns acadêmicos, trata-se simplesmente da Velha Europa.
Agora, essa cultura está sendo resgatada da obscuridade na exposição "O Mundo Perdido da Velha Europa: O Vale do Danúbio, 5000-3500 a.C.", no Instituto para o Estudo do Mundo Antigo, da Universidade de Nova York. Mais de 250 artefatos de museus de Bulgária, Moldova e Romênia estão sendo exibidos pela primeira vez nos EUA.
Em seu auge, em torno de 4500 a.C., "a Velha Europa estava entre os lugares mais sofisticados e tecnologicamente avançados do mundo", disse David Anthony, curador convidado da exposição e professor de antropologia do Hartwick College, de Oneonta, Nova York.
Embora escavações ao longo do último século já tivessem revelado traços de antigos assentamentos, só em 1972, quando arqueólogos locais acharam um grande cemitério do 5? milênio a.C. em Varna (Bulgária), começou-se a suspeitar que não se tratava de pessoas pobres em sociedades desestruturadas. Na época, porém, búlgaros e romenos, sob o isolamento da Guerra Fria, foram incapazes de difundir seu conhecimento para o Ocidente.
Agora começa a emergir a história de agricultores trocando a Grécia e a Macedônia pela Velha Europa, em torno de 6200 a.C., e levando sementes de trigo e cevada e gado bovino e ovino. Eles estabeleceram colônias na costa do mar Negro, em morros e em planícies fluviais, nas atuais Bulgária e Romênia.
Algumas cidades do povo cucuteni, uma cultura posterior e aparentemente mais robusta no norte da Velha Europa, chegaram a ter mais de 320 hectares, o que os arqueólogos consideram maior do que qualquer outro assentamento humano da época.
Inicialmente, a ausência de uma arquitetura de elite levou os acadêmicos a supor que a Velha Europa tinha pouca ou nenhuma estrutura hierárquica de poder. Isso foi desmentido pelas tumbas de Varna.
Vladimir Slavchev, curador do Museu Regional de História de Varna, disse que "a riqueza e variedade das oferendas tumulares de Varna foram uma surpresa". Mais de 3.000 peças de ouro foram achadas em 62 tumbas.
Mas o cobre, e não o ouro, pode ter motivado o sucesso econômico da Velha Europa, segundo Anthony. Por volta de 5400 a.C., as culturas da Velha Europa aproveitavam os minérios abundantes da Bulgária e da atual Sérvia e aprenderam a extrair cobre metálico puro a altas temperaturas. O cobre fundido, transformado em machados, lâminas cortantes ou braceletes, se tornou um valioso produto de exportação.
Toda uma galeria está dedicada às estatuetas. Elas foram encontradas em praticamente todas as culturas da Velha Europa e em vários contextos: em túmulos, em templos familiares e em outros possíveis "espaços religiosos".
Uma das mais conhecidas, chamada "O Pensador", mostra um homem sentado, com os ombros inclinados e as mãos no rosto, em aparente contemplação. Essa e uma estatueta feminina comparável foram achadas em um cemitério da cultura hamangia, na Romênia. Estariam pensando, ou pranteando?
Muitas estatuetas representam mulheres em uma abstração estilizada, com seios fartos e quadris largos. Sua sexualidade explícita induz a interpretações relacionadas à fertilidade telúrica e humana.
Conforme escreveu Douglass Bailey, da Universidade Estadual de San Francisco, no catálogo da exposição, "a capacidade de fazer, usar e entender objetos simbólicos como estatuetas é uma capacidade compartilhada por todos os humanos modernos e, portanto, uma capacidade que conecta você, eu, os homens, mulheres e crianças do Neolítico e os pintores de cavernas do Paleolítico".


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