São Paulo, segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

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CIÊNCIA & TECNOLOGIA

Vontade de ajudar pode ser inata no ser humano

Juntos, caçadores são capazes de abater animal maior

Por NICHOLAS WADE
Qual é a essência da natureza humana? Falha, segundo muitos teólogos. Viciosa e afeita à guerra, escreveu Hobbes. Egoísta e precisando de uma melhoria considerável, opinam muitos adultos.
Mas os biólogos estão começando a formar uma visão mais luminosa sobre a humanidade, em parte devido a testes com bebês e a comparações entre filhotes de humanos e de chimpanzés, na esperança de que as diferenças apontem algo unicamente humano.
A resposta algo surpreendente à qual alguns biólogos chegaram é que os bebês são inatamente sociáveis e solidários.
Quando um bebê de 18 meses vê um adulto desconhecido com as mãos ocupadas e precisando de ajuda para abrir uma porta ou apanhar um alfinete, ele socorre imediatamente, escreve Michael Tomasello no livro "Why We Cooperate" ("Por que cooperamos"), lançado em outubro. Tomasello, psicólogo do desenvolvimento, é codiretor do Instituto Max Planck para a Antropologia Evolucionária, em Leipzig, na Alemanha.
A tendência a ajudar parece ser inata porque surge muito cedo, antes que muitos pais comecem a ensinar regras de boa educação.
Os bebês ajudam com informações e também de formas práticas. A partir dos 12 meses, eles apontam objetos que um adulto finja ter perdido. Já um chimpanzé nunca aponta nada para os outros.
Para os pais que achem que seus filhos pularam a fase cooperativa, Tomasello oferece o tranquilizador conselho de que as crianças costumam ser mais cooperativas fora de casa, o que faz muitos pais se surpreenderem com elogios de professores ou treinadores ao comportamento dos seus filhos. "Nas famílias, o elemento competitivo está na ascendência", afirmou.
Ao crescerem, as crianças se tornam mais seletivas na sua ajuda. A partir dos três anos, mais ou menos, se mostram mais generosas com outras crianças que tenham sido legais com elas anteriormente.
Outro comportamento que surge na mesma idade é um sentido de normas sociais. "A maioria das normas sociais diz respeito a ser legal com os outros", afirmou Tomasello numa entrevista. "Então, as crianças aprendem as normas sociais porque querem participar do grupo."
As crianças sentem não só que têm de obedecer às regras, mas também que devem levar os demais a fazerem o mesmo. De onde tiram essa ideia de regras grupais, de "nós, os que fazemos assim"? Tomasello acredita que as crianças desenvolvem uma "intencionalidade compartilhada", uma noção do que os outros esperam que ocorra, e daí uma sensação de um grupo, um "nós".
A intencionalidade compartilhada, na opinião de Tomasello, está próxima da essência do que distingue as pessoas dos chimpanzés. Está na base da sociedade humana, argumenta ele. Dela deriva a noção de normas e de punir os que as violam.
O pesquisador acredita que a intencionalidade compartilhada tenha evoluído muito cedo na linhagem humana e que seu provável propósito era a cooperação na busca por alimentos. Quando os homens cooperam na caça, podem abater animais maiores.
O caminho da cooperação obrigatória -que não foi trilhado por outros primatas- levou às regras sociais e ao seu cumprimento, ao altruísmo humano e à linguagem.
"Humanos juntando suas cabeças em atividades cooperativas compartilhadas são assim os iniciadores da cultura humana", escreve Tomasello.
A sociabilidade básica dos humanos não significa, naturalmente, que eles sejam legais entre si o tempo todo. A manutenção da estrutura social exige certas coisas, alguma das quais envolvem atitudes negativas para com os outros.
As raízes da cooperação humana podem estar na agressão humana. Somos egoístas por natureza, mas também seguimos regras que exigem que sejamos legais com os outros.
"Por isso temos dilemas morais", disse Tomasello. "Porque somos ao mesmo tempo egoístas e altruístas."


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