São Paulo, segunda-feira, 15 de março de 2010

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INTELIGÊNCIA / NIKOS KONSTANDARAS

Gregos aprendem o verdadeiro custo da dívida

ATENAS
A Grécia está perto do abismo da falência. Como sua dívida nacional ameaça a credibilidade do euro, a União Europeia teve de procurar com urgência maneiras de ajudar um sócio que está rompendo as regras sem parecer recompensar sua displicência.
O centro do problema do país é que, durante muito tempo, os gregos tiveram políticos sem a coragem de explorar os recursos nacionais e os talentos da população para o bem público. Em vez disso, a política se baseou em dar às pessoas o que elas querem, enquanto elas deixam de exigir melhor governança e transparência. As manifestações diárias em Atenas são um ritual bem ensaiado em que os cidadãos pressionam com suas demandas até que o governo ceda, sem que nenhum lado se importe com o que isso significa para as finanças ou o futuro do país.
Essa simbiose doentia é o produto do antigo relacionamento patrão-cliente em que sucessivos governos gregos expandiram os benefícios a seus seguidores -por meio de empregos confortáveis no setor público-, enquanto perseguiam seus adversários. Em nossa era educada, os adversários políticos não são mortos nem exilados. São empurrados para dar espaço aos indicados pela nova equipe.
Isto resultou em um enorme e altamente ineficaz setor público que, juntamente com as aposentadorias, equivale a 51% de toda a produção de bens e serviços do país em um ano. Existe uma compreensão de que as leis podem ser moldadas conforme as circunstâncias e o poder daqueles que as infringem. Os que não podem ser demitidos, como os funcionários públicos, e os que não temem a lei (por causa de suas conexões políticas ou talento para subornar) burlam as regras e agem contra os interesses da sociedade.
Isso produz um setor público que é uma fera voraz, exigindo constantemente novos empregados e mais dinheiro. Ele esgota os fundos do país e esmaga toda iniciativa positiva, minando benefícios como a saúde, a educação e os sistemas de aposentadoria. Também abafa o espírito empreendedor dos gregos, que veem os empregos públicos como a única forma de obter segurança financeira.
Embora de 50% a 60% de todos os salários na Grécia vão para impostos e taxas da previdência social, os gregos ainda têm de pagar do próprio bolso se quiserem ter serviços de saúde e educação melhores do que os fornecidos pelo Estado. Como os benefícios dos impostos não são visíveis, o incentivo para pagá-los desaparece. A mão de obra é tão cara para os empregadores, e o pagamento tão pequeno para os empregados, que é muito difícil criar empregos no setor privado. Isso, somado à ineficiência e à corrupção da Receita, resulta na economia "negra" -cerca de 30% da economia total.
O enorme orçamento de defesa do país incentiva todo tipo de negócios obscuros, despejando mais dinheiro na economia paralela por meio de devoluções e lucros não declarados. O financiamento da UE ajudou a melhorar a qualidade de vida dos agricultores, mas também os tornou dependentes de subsídios, minando a inovação e a produtividade. O sistema também corrompe de outras maneiras. Quando se precisa de 24 documentos diferentes para conseguir uma licença de pesca, você não estaria disposto a pagar alguém para arranjar um atalho? Isso explica a tolerância pela corrupção em baixo nível, assim como a intriga em alto nível entre políticos, empresas e interesses da mídia.
Esse risco moral -a crença de que a pessoa não terá de pagar por seus atos- ficou evidente durante anos. Toda vez que um empréstimo vencia, a Grécia simplesmente emprestava mais. Muito poucos dos 11 milhões de habitantes do país questionaram a viabilidade disso. Desde que os empréstimos continuassem chegando, seu pagamento poderia ser adiado indefinidamente. Além disso, os gregos tinham uma crença predominante de que o Estado poderia solucionar todos os seus problemas -desde que quisesse. E, se não quisesse, eles se manifestariam até que o fizesse.
O setor público continuou funcionando, as aposentadorias eram pagas, e o país continuou importando mais do que produzia. O euro introduziu baixas taxas de juros pela primeira vez, e o poder aquisitivo dos cidadãos aumentou, alcançando 94% da média da UE em 2008. O dinheiro emprestado aqueceu a economia. Como em toda bolha, parecia que as coisas sempre continuariam assim.
Hoje profundamente endividados, com um setor público que só mina toda iniciativa para consertar a Grécia, nossa única esperança é fazer sacrifícios suficientes em salários, aposentadorias e qualidade de vida para manter a confiança dos mercados. Não para que possamos escapar, mas para podermos nos aprofundar ainda mais na dívida.

Nikos Konstandaras é editor-gerente do jornal "Kathimerini", de Atenas. Envie comentários para intelligence@nytimes.com



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