São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

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Frugalidade chinesa restringe a economia


Memórias de escassez converteram a China em um país de poupadores

Por ANDREW JACOBS

PEQUIM - Dang Fu ainda não sabe, mas foi escolhido para salvar a economia chinesa.
Produtor de painço no nordeste da China, Dang, 56, conseguiu poupar dois terços da renda anual de US$ 2.200 de sua família nos últimos anos. Ele cultiva boa parte dos alimentos que consome, usa seu casaco de inverno até a peça virar trapo e só compra coisas a mais quando a insistência de sua mulher se torna insuportável. O artigo desnecessário comprado no ano passado, um televisor novo, ainda o incomoda. "Foi doloroso gastar tanto dinheiro", disse.
Mas essa frugalidade tenaz, no passado uma qualidade admirável na China, agora virou problema no momento em que a economia movida pelas exportações se desaquece - perspectiva que vem alimentando os temores do governo quanto a desemprego e instabilidade social.
Nas últimas semanas, a economia chinesa, antes irrefreável, desacelerou fortemente. As exportações, um dos principais motores da expansão do país nos últimos dez anos, crescem em ritmo mais lento e, segundo o Banco Mundial, provavelmente serão responsáveis pela redução do crescimento geral em 2009. O mercado acionário está parado, e os valores dos imóveis em muitas cidades caíram de 30% a 40%.
O crescimento anual da China, de 12% na época das Olimpíadas, já caiu para 9% - cifra admirável por qualquer padrão, mas perigosamente próxima dos 8% que, para economistas, são imprescindíveis para garantir emprego aos 20 milhões de chineses que ingressam no mercado de trabalho todos os anos. O banco J.P. Morgan recentemente reduziu sua previsão de crescimento chinês no quarto trimestre para 7,7%, e outros analistas prevêem que esse número possa cair para 5% em 2009.
Analistas do governo querem que os consumidores ajudem a resolver o problema -especialmente as centenas de milhões de camponeses, que costumam poupar muito. "Se pudermos elevar a confiança das pessoas e levá-las a gastar mais dinheiro, isso não apenas será benéfico para a China, mas ajudará a estabilizar a economia mundial", disse o ministro assistente das Finanças, Zhu Guangyao.
Mas convencer as pessoas a gastar mais, especialmente diante de um desaquecimento econômico, pode ser difícil. Os gastos dos consumidores compõem 35% do PIB chinês, e esse número vem caindo desde a década de 1980, quando chegou a 50%. Em contraste com essa situação, o consumo é responsável por mais de dois terços da economia dos EUA.
Economistas ocidentais sugerem que, para contrabalançar a queda nas exportações e a desaceleração da construção civil, os chineses teriam que aumentar seus gastos em um terço. "Não estou certo de que eles sejam capazes de fazer isso em tão pouco tempo quanto o governo gostaria", disse Michael Pettis, professor de finanças na Universidade de Pequim.
Essa opção pode ou não ser realista, mas Pequim parece decidida a apostar nela. Embora seja voltado sobretudo a iniciativas de construção de pontes e pavimentação de rodovias, o pacote de estímulo de US$ 586 bilhões anunciado pelo governo em novembro inclui vários incentivos que visam convencer Dang Fu e outros como ele a gastar seu dinheiro.
A medida inclui habitação subsidiada para convencer os compradores de casas a mobiliar suas residências novas, além de projetos de eletrificação rural que darão a agricultores acesso a energia elétrica a preços acessíveis. No dia 1° deste mês, o governo introduziu em 14 Províncias um subsídio para a compra de celulares, máquinas de lavar roupa e TVs de tela plana.
Dang e sua esposa, Zhang Gengxia, 52, representam a apoteose da frugalidade chinesa. Eles não usam bancos - preferem guardar o dinheiro em casa-, e o maior gasto que o casal já fez foi com o trator de segunda mão comprado há anos por US$ 1.200. O restante é guardado para sua aposentadoria e custos médicos.
Indagada se usaria um cartão de crédito, Zhang pareceu confusa. "O que é um cartão de crédito?", perguntou, acrescentando: "Temos tudo o que precisamos".
Embora índices de poupança altos sejam comuns em toda a Ásia, a propensão chinesa a poupar se deve às memórias profundamente arraigadas de escassez e de uma rede de seguridade social rota que obriga as pessoas a guardar dinheiro para educação, aposentadoria e custos médicos.
"O atendimento médico é tão caro e distorcido que, não importa o quanto poupe, se adoecer vai acabar pobre", disse o analista da USB Securities Wang Tao, em Pequim.
Por enquanto, são pessoas como Li Xiuqing que representam a maior promessa para a emergente economia de consumo chinesa. Secretária numa firma de contabilidade em Pequim, Li, 28, ganha menos de US$ 600 por mês, mas gasta quase tudo em roupas, restaurantes e conversas em seu celular Nokia vermelho e dourado.
Criada numa fazenda de porcos, ela zomba dos hábitos frugais de seus pais e avós. "A coisa mais cara que meu pai comprou na vida foi um relógio de pulso", disse ela enquanto comprava um par de sapatos por US$ 100 num shopping da capital. "Os dias de fome na China acabaram."


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