São Paulo, segunda-feira, 16 de março de 2009

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DIÁRIO DE MARSELHA

Caldeirão de melodrama hipnotiza a França

Por STEVEN ERLANGER

MARSELHA, França - Depois de anos de lutas, estudos e sucesso em várias outras disciplinas culturais, os franceses finalmente dominaram a arte da telenovela. Em um cenário elegante, com uma praça intricada construída ao redor de um café em Marselha, a televisão pública francesa produziu o mais popular programa da telinha -uma série com capítulos diários, "Plus Belle la Vie", que é assistida por quase um quinto da população do país.
Cerca de 13 milhões de pessoas a sintonizam pelo menos uma vez por semana para acompanhar o destino complexo de várias famílias na confusão multicultural de Marselha, segunda cidade mais populosa da França.
A família Marci, dona do Bar du Mistral; a família Nassri, da Argélia; a família Torres, da Espanha; os Leserman, cuja matriarca sobreviveu ao Holocausto e virou comunista; os ricos Frémont, com seus negócios obscuros e uma filha lésbica; os Chaumette, que vieram de Paris; os Estèves, com seu filho divorciado que tem uma filha e ama um homem; e os Castelli, que, como diz o site do programa, "vivem para esquecer o passado".
As relações entre essas famílias -suas discussões, seus namoros, seus negócios e suas tragédias- ao mesmo tempo hipnotizam os franceses e os educam, pelo menos um pouco, sobre as diferenças culturais e questões sociais polêmicas como racismo, drogas, gravidez adolescente, islamismo e homossexualidade.
Pascal Tomasini, seu coprodutor, orgulha-se especialmente porque o programa transmitiu o primeiro beijo homossexual na televisão francesa, mais de quatro anos atrás, e sobreviveu à polêmica. "Não estamos aqui para dar lições", ele disse. "Não queremos ser moralistas. Mas queremos ter situações da vida real que podem acontecer com todo o mundo."
Não é apenas que os franceses assistam ao programa, visitem o site e comprem cópias das roupas usadas pelos atores por meio de um catálogo. Ou que 100 mil turistas venham todo ano, segundo a prefeitura da cidade, procurar a Place du Mistral, que só existe na ficção.
"Plus Belle la Vie", que significa "mais bela a vida" na tradução literal, sacudiu as noites na televisão francesa, que eram tradicionalmente construídas ao redor do noticiário das 20h em todos os canais. Apesar de conflitar com o principal telejornal do país, a novela perdeu menos de 2% da audiência.
Tomasini e seu coprodutor, Hubert Besson, ambos com 45 anos, fizeram parte do esforço da rede France 3, considerado um canal para pessoas mais velhas, para encontrar um público mais jovem.
Michel Maffesoli, professor de sociologia na Sorbonne, atribui o sucesso do programa a temas da mitologia grega. "As pessoas se apaixonam e desapaixonam, e nada é embelezado. As pessoas são mostradas em sua vida cotidiana", disse. "O programa lida com o lado obscuro e maligno das coisas -crime, delinquência, sexualidade múltipla. É a primeira vez na França que não temos medo de mostrar isso."


Colaborou Maïa de la Baume


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