São Paulo, segunda-feira, 16 de maio de 2011

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Vítima da guerra olha para trás

Por TIM ARANGO

MOSUL, Iraque - Até o início de maio, Samar Hassan nunca tinha vislumbrado a foto dela que foi vista por milhões de pessoas; ela nunca soubera que a foto se tornara uma das imagens mais famosas da guerra do Iraque.
"Meu irmão estava doente. Nós o estávamos levando ao hospital, e, no caminho de volta, aconteceu aquilo", disse Samar. "Ouvimos o som de disparos. Minha mãe e meu pai foram mortos assim."
A imagem de Samar, com cinco anos na época, gritando e manchada de sangue depois de soldados americanos abrirem fogo contra o carro de sua família na cidade de Tal Afar, no norte do Iraque, em janeiro de 2005, iluminou o horror das mortes de civis e tornou-se uma das poucas imagens desse conflito que entraram para os clássicos da fotografia de guerra. A foto vem ganhando atenção redobrada como parte do grande conjunto da obra de Chris Hondros, o fotógrafo da Getty Images morto recentemente na linha de frente em Misrata, na Líbia.
A foto de Samar ficou congelada na história, mas a vida dela continuou, seguindo uma trajetória emblemática daquilo que vem sendo suportado por tantos iraquianos.
Em um país cujo sistema de saúde não possui capacidade quase nenhuma de tratar os aspectos psicológicos do trauma, milhares de iraquianos são abandonados a sós com seu sofrimento.
Hoje, com 12 anos de idade, Samar vive nos arredores de Mossul em uma casa de dois andares. Sua irmã mais velha, Intisar, e o marido dela, um ex-policial desempregado, cuidam dela.
As dores da guerra atingiram milhares de iraquianos, mas, mesmo aqui, a história de Samar se destaca. Três anos depois de seus pais serem mortos, seu irmão Rakan morreu quando um ataque insurgente danificou gravemente a casa em que ela vive hoje.
Rakan ficara gravemente ferido no incidente que matou os pais dele e Samar.
Depois da publicação das fotos de Chris Hondros, ele foi enviado a Boston para tratamento médico.
O marido de Intisar, Nathir Bashir Ali, suspeita que sua casa foi atacada por insurgentes como represália pelo envio de Rakan aos EUA. "Quando Rakan voltou da América, todo o mundo pensou que eu fosse espião", explicou.
Samar deixou a escola no ano passado porque era tímida demais e não estava se saindo bem, contou Ali, mas a menina disse que gostaria de voltar a estudar e que tem a esperança de tornar-se médica quando crescer. Ela sai de casa apenas em passeios pouco frequentes da família e tem duas amigas que a visitam para brincar de boneca e bater papo. Samar passa seus dias fazendo faxina, ouvindo música e assistindo a capítulos do seu programa de TV favorito, a fotonovela turca "Amor Proibido".
"Eu sou Samar", disse ela, trajando vestido vermelho comprido e sentada no sofá ao lado de Ali. Dois de seus irmãos, que também estavam no carro quando os pais deles foram mortos, estavam sentados ao lado.
"Já os levei muitas vezes ao hospital, lugar em que recebem comprimidos" para problemas emocionais, disse Ali. "Quando saímos e eles veem uma família, ficam tristes", ele contou. Às vezes, ele encontra as crianças juntas em um cômodo, chorando. "Quando elas se lembram do acidente, é como se seus pais tivessem acabado de morrer."
A foto de Samar exerceu impacto, pois foi testemunho visual de flagelo especial dessa guerra: a morte de civis inocentes. A imagem foi tema de discussões nos mais altos escalões do Pentágono quando foram estudadas maneiras de reduzir as baixas de civis.
Em entrevista, Samar, abraçando uma almofada contra o peito, recordou o fotógrafo: "Ele estava fazendo fotos de mim. Então, ele parou. Me trouxeram um casaco, me colocaram no caminhão e trataram a ferida em minha mão."
Ela disse que entende que a foto mostrou ao mundo "a coisa triste que está acontecendo no Iraque".
Samar apontou para uma foto de sua família na parede. "Sempre sonho com meu pai, minha mãe e meu irmão."
Com reportagem de Duraid Adnan


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