São Paulo, segunda-feira, 16 de novembro de 2009

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Certos cânceres podem sumir sem tratamento


É incomum, mas há casos de tumores que desaparecem

Por GINA KOLATA

Você pode chamá-la de a seta do câncer. Assim como a seta do tempo, supunha-se que ela apontasse em apenas uma direção. Os cânceres cresciam e se agravavam. Agora, essa visão é questionada pelos resultados de mais de 20 anos de exames para a detecção de cânceres de mama e próstata, publicados no “Journal of the American Medical Association”.
Além de identificar tumores que, se não fossem tratados, seriam letais, os exames preventivos parecem ter descoberto muitos tumores pequenos que não seriam problemáticos se passassem despercebidos. Estavam destinados a parar de crescer, a encolher por conta própria ou até mesmo, pelo menos no caso de alguns cânceres de mama, a desaparecer.
“A visão antiga reza que o câncer é um processo linear”, disse Barnett Kramer, diretor associado dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA. “Uma célula adquire uma mutação e, pouco a pouco, vai adquirindo mais e mais mutações. O que se supõe é que as mutações não se revertem espontaneamente.”
Assim, disse Kramer, a imagem era a de “uma seta que se movia em uma só direção”. Mas, agora, ele acrescentou, fica cada vez mais claro que os cânceres requerem mais do que mutações para avançar. Precisam da cooperação das células que os cercam e até mesmo, disse ele, “do organismo inteiro, da pessoa”, cujo sistema imunológico ou níveis de hormônios, por exemplo, podem reprimir ou alimentar um tumor.
O câncer, segundo Kramer, é um processo dinâmico.
Era uma visão difícil de ser aceita por alguns médicos e especialistas. Mas alguns dos céticos têm mudado de opinião e decidido que, por mais isso aparentemente contrarie tudo o que eles pensavam, os cânceres podem, sim, desaparecer sozinhos. “Não sei até que ponto tenho certeza disso, mas acredito na possibilidade”, disse Robert M. Kaplan, presidente do departamento de serviços de saúde da Escola de Saúde Pública da Universidade da Califórnia, em Los Angeles.
Jonathan Epstein, do Hospital Johns Hopkins, diz que tumores que desaparecem são conhecidos no câncer testicular, ainda que isso não aconteça com frequência.
É claro que os cânceres não desaparecem sozinhos habitualmente, e ninguém está sugerindo que pacientes evitem se tratar em função dessas ocorrências ocasionais. “Biologicamente falando, que um câncer em estado adiantado entre em remissão é um fenômeno raro”, disse Martin Gleave, professor de urologia na Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá).
Células cancerosas e pré-cancerosas são tão comuns que, ao chegar à meia-idade ou à velhice, quase todas as pessoas estão repletas delas, disse Thea Tlsty, professora de patologia na Universidade da Califórnia, em San Francisco. Esse fato foi descoberto em autópsias de pessoas que tinham morrido de outras causas, sem imaginar que tivessem células cancerosas. Elas não apresentavam tumores grandes ou outros sintomas de câncer. “A pergunta mais interessante”, disse Tlsty, “não é tanto ‘por que temos câncer?’, mas ‘por que não temos câncer?’”.
Pesquisadores no Canadá conduzem um estudo com pequenos cânceres renais, que estão entre os poucos que ocasionalmente regridem, mesmo quando já em estágio muito avançado. Esse fato foi documentado em um estudo comandado por Gleave, que comparou um tratamento experimental com outro à base de placebo em pessoas que tinham câncer renal que já se espalhara por seu corpo.
Os pesquisadores concluíram que o tratamento não melhorava o prognóstico dos pacientes.
Hoje em dia, disse Gleave, mais pacientes fazem ultrassonografias e tomografias por outros motivos e descobrem uma pequena massa tumoral em seus rins. A prática aceita nos EUA consiste na retirada desse tumor. Mas Gleave indaga: “Será que isso é necessário sempre?”.
Sua universidade está participando de um estudo com pessoas que têm pequenos tumores renais, indagando o que acontece quando esses tumores são examinados regularmente, para ver se estão crescendo. Cerca de 80% dos tumores não mudam ou chegam a regredir ao longo dos três anos após sua constatação.
Com a detecção precoce, disse ele, “a malha da nossa rede já ficou tão fina que estamos pescando não apenas os peixões, mas também peixinhos”. Agora, agregou, “precisamos identificar quais peixinhos podemos deixar escapar”.


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