São Paulo, segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

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Astros ficam com dinheiro, e sobra pouco para outros

Por EDUARDO PORTER
Pelé fez sua estreia na Copa do Mundo da Suécia em 1958, quando tinha apenas 17 anos. Tornou-se imediatamente um astro. Em 1960, seu time no Brasil, o Santos, lhe pagaria US$ 150 mil por ano -cerca de US$ 1,1 milhão em dinheiro de hoje. O jogador mais bem pago na temporada de 2009-10, o atacante português Cristiano Ronaldo, ganhou US$ 17 milhões atuando para o Real Madrid da Espanha.
Em 1990, os Royals de Kansas City tiveram a maior folha de pagamento na Liga Principal de Beisebol americana: quase US$ 24 milhões. Um jogador típico dos Yankees de Nova York, que tinha alguns dos jogadores mais caros do esporte na época, ganhava menos de US$ 450 mil.
Na última temporada, os Yankees gastaram US$ 206 milhões com jogadores, mais que cinco vezes a folha de pagamento dos Royals 20 anos atrás. O salário médio dos Yankees foi de US$ 5,5 milhões, sete vezes mais que em 1990, já descontada a inflação.
Essa tendência não é apenas dos esportes. Em 1982, 1% dos astros mais populares ganharam 26% da receita dos ingressos de shows. Em 2003, nomes como Justin Timberlake e Christina Aguilera receberam 56% do lucro dos concertos.
As receitas infladas têm a ver com mudanças específicas na economia do entretenimento. As pessoas hoje têm mais renda disponível. Patrocínios empresariais representam uma grande parcela da renda dos artistas. Em 2009, o jogador de futebol que mais ganhou foi o inglês David Beckham, que faturou US$ 33 milhões em patrocínios, além de um salário de US$ 7 milhões do Los Angeles Galaxy e do Milan.
Mas forças maiores também estão em jogo. Quase 30 anos atrás, Sherwin Rosen, economista da Universidade de Chicago, afirmou em um artigo que as mudanças tecnológicas permitiriam que os melhores atores de um determinado campo atendessem a um mercado maior e assim obtivessem uma parcela maior de sua receita. Mas isso também reduziria a parte disponível para os menos dotados.
Veja a indústria da música a partir da década de 1980. Primeiro, a MTV colocou a música na televisão. Então o Napster a levou para a Internet. A Apple permitiu que os fãs comprassem canções e as levassem consigo. Cada uma dessas novidades permitiu que os principais artistas atingissem uma base de fãs maior, e assim exigissem uma parcela maior da receita dos concertos.
No futebol europeu, que é transmitido para todo o mundo, os 20 principais times faturaram ¤ 3,9 bilhões em 2009, mais que 25% da receita combinada de todos os times europeus.
A Copa do Mundo em 2010, em que Ronaldo jogou por Portugal, foi transmitida para mais de 200 países, um público de mais de 25 bilhões de pessoas. Ronaldo não é melhor que Pelé; seu talento é transmitido para mais pessoas.
O esquema de Rosen também explica a evolução do pagamento de executivos. Em 1977, um executivo-chefe de elite de uma companhia americana ganhava cerca de 50 vezes o salário de seu trabalhador médio. Três décadas depois, os CEOs mais bem pagos do país ganham cerca de 1.100 vezes mais.
Os CEOs não são pop stars. Mas as grandes companhias americanas têm vendas e lucros muito mais altos do que 20 anos atrás. Os bancos e os fundos têm mais ativos. Com tanto mais em jogo, existe uma furiosa concorrência pelos principais talentos administrativos.
E aí está um grande problema do capitalismo americano.
O capitalismo depende da desigualdade. As disparidades de pagamentos orientam os recursos -neste caso, as pessoas- para onde eles serão empregados de maneira mais produtiva. Centenas de milhares de pobres mexicanos são atraídos para os EUA ilegalmente; na China, a parcela de renda nacional que cabe aos 1% no topo mais que duplicou entre 1986 e 2003. A desigualdade promove o crescimento econômico ao oferecer incentivos para que as pessoas sejam mais produtivas. Mas, se somente alguns felizardos podem aspirar a uma grande recompensa, a maioria dos trabalhadores provavelmente concluirá que não vale a pena se esforçar.
Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, nos EUA, a receita média dos 10% mais ricos equivale a 16 vezes a dos 10% na faixa mais baixa. Isso se compara a um múltiplo de 8 no Reino Unido e de 5 na Suécia.
Não por acaso, os americanos têm menor mobilidade econômica do que os habitantes de outros países desenvolvidos.
O acúmulo de recompensas aos nossos superastros incentiva uma corrida para o topo que poderá deixar em seu rastro muito pouco pelo que lutar.
Astros ficam com dinheiro, e sobra pouco para outros Adaptado de "The Price of Everything: Solving the Mystery of Why We Pay What We Do" (O preço de tudo: Solucionando o mistério de por que pagamos tanto), de Porter, escritor do "New York Times"

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