São Paulo, segunda-feira, 17 de maio de 2010

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Guerra global contra a Aids perde fôlego

Por DONALD G. McNEIL Jr.
CAMPALA, Uganda - No terreno da maior clínica de Aids em Uganda, Dinavance Kamukama se senta sob uma árvore e chora.
Sua doença provavelmente está bem avançada: ela tem insuficiência renal e mal consegue caminhar. Mas não há remédios para ela. Como em outras clínicas de Campala, todos os novos pacientes vão para uma lista de espera. Para cada paciente que morre, uma vaga se abre.
Esse é o mais óbvio exemplo de como a guerra global contra a Aids está desmoronando, após uma década promissora, em que medicamentos que custavam US$ 12 mil por ano caíram a menos de US$ 100, e o mundo estava disposto a pagar. Em Uganda, o número de pessoas tratadas com esses remédios saltou de menos de 10 mil para quase 20 mil, em grande parte graças à generosidade americana. Mas a janela de oportunidade está terminando.
Uganda é o primeiro país a rejeitar novos pacientes, mas não será o último. No vizinho Quênia, verbas para tratar 200 mil pessoas vão expirar em breve. Um programa americano em Moçambique foi orientado a parar de inaugurar clínicas. Já houve escassez de medicamentos na Nigéria e na Suazilândia.
O colapso é consequência do impacto da recessão sobre os doadores, e da crescente sensação de que mais vidas seriam salvas com o combate a doenças mais baratas.
Enquanto o número de contaminados pela Aids cresce 1 milhão por ano, o dinheiro para o tratamento parou de aumentar. Outras forças tornaram o fracasso quase inevitável.
A ciência não produziu nenhuma cura, nenhuma vacina, nenhum preservativo feminino de ampla aceitação. Todas as propostas de controlar a epidemia com as atuais ferramentas -como circuncidar todos os homens do Terceiro Mundo, ou submeter bilhões de pessoas a exames e tratar todos os estimados 33 milhões que dariam positivo- são impraticáveis.
E, o que é mais devastador, a prevenção falhou. Pouca gente, particularmente na África, usa a abordagem "ABC", desenvolvida em Uganda: abstinência sexual, fidelidade ("be faithful", em inglês) e camisinha.
A cada 100 pessoas colocadas em tratamento, 250 outras são contaminadas, segundo a ONU. Uganda é um microcosmo disso: 500 mil precisam de tratamento, 200 mil o estão recebendo, mas a cada ano outros 110 mil são contaminados.
Algumas batalhas ainda serão ganhas. Países de renda média e com epidemias limitadas, como Índia, Brasil, Rússia e, acima de tudo, a China, provavelmente podem tratar todos os seus pacientes sem ajuda externa. A África do Sul poderia; ela tem uma epidemia desenfreada, mas é rica pelos padrões africanos.
Mas na maior parte da África e em alguns países espalhados, como Haiti, Guiana e Camboja, parece inevitável que a década de 1990 regresse: esqueletos ambulantes nas aldeias, corpos empilhados em necrotérios.
Peter Mugyenyi, fundador do hospital no qual Kamukama foi barrada, disse que a perda do interesse dos doadores lhe deixa "frenético de preocupação". "Quando correr a notícia de que não há tratamento, as pessoas farão o que faziam no passado: ir a curandeiros comprar tratamentos falsos."
Para os médicos na linha de frente, a frustração é palpável.
A britânica Natasha Astill é uma especialista em Aids que trabalha num hospital à beira da Floresta Impenetrável Bwindi. Após um longo dia em que visitou 118 pacientes com uma enfermeira, ela caiu em prantos.
Ela ainda pode administrar antirretrovirais gratuitos para alguns doentes; embora as verbas dos EUA para o seu hospital estejam congeladas, ela ainda consegue medicamentos do Ministério da Saúde local, além de contribuições de turistas e do cantor Elton John. Mas logo esse hospital também terá de adotar a lista de espera.
"Isso me irrita", diz ela. "A sensação é horrível. Às vezes você se pergunta se está fazendo um favor às pessoas. Você as medica, lhes dá esperança, e aí não tem certeza se poderá cumprir [a promessa]."


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