São Paulo, segunda-feira, 17 de maio de 2010

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Projeto na Guiana quer reviver palco de tragédia

Por SIMON ROMERO
JONESTOWN, Guiana - Carlton Daniels transpirava enquanto abria caminho na selva com a ajuda de um facão. Ele apontou para alguns arbustos e disse que um chimpanzé chamado Mr. Muggs vivia ali, em uma jaula. Quando emergiu em uma clareira, proclamou: "Bem-vindo ao Projeto Agrícola Templo do Povo".
Mais conhecido como Jonestown, o lugar onde 900 americanos cometeram suicídio ou foram assassinados em uma noite de 1978, por ordem do líder de sua seita socialista, Jim Jones, o local hoje tem poucos indícios do que ocorreu ali. As casas e construções foram destruídas pela chuva, pelos cupins e pelos curiosos. Cipós camuflam os veículos enferrujados que restaram.
Ao mesmo tempo, porém, em que a natureza parece estar decidida a apagar os rastros de um experimento utópico e autossuficiente que deu tragicamente errado, algumas pessoas de espírito empreendedor na Guiana, único país de língua inglesa na América do Sul, têm ideias diferentes.
Elas querem que Jonestown (criada em 1973) renasça como destino turístico. Estão até recebendo alguma ajuda não muito animada do governo, que passou mais de 30 anos tentando fazer com que a tragédia fosse esquecida.
No final de 2009, o diretor da Autoridade de Turismo da Guiana, Indranauth Haralsingh, foi ao local para afixar uma placa que diz: "Em memória das vítimas da tragédia de Jonestown, 18 de novembro de 1978".
Alguns dos moradores da cidade mineira pobre de Port Kaituma, nas proximidades de Jonestown, não poderiam estar mais contentes. "Alguma coisa mais ambiciosa, algum memorial maior e mais completo, deveria ter sido instalado anos atrás", disse Carlton Daniels, 64, lojista que é considerado uma das pessoas de Port Kaituma que mais sabem sobre Jonestown, tendo encontrado Jim Jones em diferentes ocasiões nos anos 1970, quando era carteiro da cidade.
"Imagine só", disse Daniels, enquanto contava como o chimpanzé de estimação do reverendo Jones, Mr. Muggs, era usado para aterrorizar fiéis desobedientes. "Jonestown poderia virar um centro mundialmente conhecido de estudo de seitas e o que as inspira."
A pobreza é outro motivador das pessoas que querem promover o turismo ali. Apesar de seu crescimento econômico recente, a Guiana ainda se recupera do isolacionismo doutrinário que fez do país o lugar ideal para Jim Jones abrir seu encrave utópico remoto.
"Jonestown era um lugar maravilhoso", contou Gerald Gouveia, 54, que, quando era jovem piloto do Exército, costumava levar membros seniores de Jonestown a Port Kaituma de avião. "Eles eram idealistas que queriam uma comunidade livre da destruição nuclear, mas seu sonho azedou quando dedicaram tanta reverência a seu líder que aquilo subiu à cabeça dele."
Hoje um dos maiores empresários da Guiana, Gouveia quer levar visitantes a Jonestown, usando sua pequena companhia aérea. Numa viagem a Port Kaituma, ele apontou ao local na pista de pouso onde o deputado da Califórnia Leo J. Ryan, que foi a Jonestown investigar acusações de abusos cometidos no local, foi morto a tiros por pistoleiros da seita. Três jornalistas e um desertor de Jonestown também morreram no confronto.
Foram aqueles assassinatos que desencadearam o discurso inflamado de Jones que culminou na noite de suicídios ou assassinatos em massa por envenenamento.
"Eu mesmo pus o corpo do parlamentar americano no saco de defunto", disse Gouveia.
"Não podemos simplesmente apagar de nossa consciência os fatos que ocorreram aqui.
Isso seria um insulto a todas as vítimas."
A ideia de promover Jonestown, estratégia que os locais descrevem como "turismo negro", começou a ser aventada alguns anos atrás.
Um investidor de Nova York chegou a traçar um projeto de quatro hectares que incluiria um museu, um restaurante, um café, uma loja de suvenires e alojamentos para funcionários.
Mas o projeto, que precisaria de aprovação do governo, não se concretizou, fato que alguns guianenses atribuem à posição geográfica isolada de Jonestown.
Outro fato é que as autoridades relutam em chamar a atenção a Jonestown, buscando, em vez disso, incentivar a imagem da Guiana como protetora responsável do meio ambiente e da floresta.
David Dabydeen, o delegado da Guiana na Unesco, diz: "As iniciativas verdes do governo nos redimem de um crime que foi cometido sobretudo por americanos e contra americanos".


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