São Paulo, segunda-feira, 17 de maio de 2010

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No México, campos prosperam com esgoto

Por ELISABETH MALKIN
MIXQUIAHUALA, México - Dia e noite, Marcelo Mera Bárcenas chapinha na água fétida que já percorreu 96 km morro abaixo, desde os esgotos da Cidade do México, e que se espalha pelos campos de milho e alfafa de Mixquiahuala, uma terra que já foi árida.
Das estradas no vale de Mezquital, os campos se estendem até os morros em vários tons de verde, enfeitados por salgueiros. Mas, de perto, onde Mera é pago por hectare de campo que irriga, o cheiro e a aparência da água que alimenta essa abundância sufocam os sentidos.
Usando apenas botas de borracha como proteção, ele não aprova a crença geral local de que a água é inofensiva, de que um banho com detergente toda noite é capaz de curar todos os males que ela possa trazer. Bolhas surgem em suas mãos, ele diz, e está sempre resfriado ou gripado.
"É claro que isso nos afeta, porque a água é muito suja", diz Mera, que trabalha na lama desses campos há 38 anos, desde que tinha 15. "Mas não há outra coisa a fazer."
Há cem anos a Cidade do México bombeia seus esgotos para o norte para irrigar as terras do Estado de Hidalgo. Essa cascata fétida que os agricultores chamam de "águas negras" percorre um labirinto de canais e depois escorre sobre os campos.
Por isso, quando se soube que o governo finalmente ia construir uma usina gigantesca de tratamento de esgotos, era de se esperar que os agricultores da região ficassem entusiasmados. Mas eles estão desconfiados.
"Sem aquela água não há vida", disse Gregorio Cruz Alamilla, 60, que trabalha na fazenda de 5 hectares de sua família desde que era menino.
Cruz sabe que a água é carregada de substâncias tóxicas, incluindo produtos químicos despejados por fábricas, e ele se cansa de limpar seu campo de garrafas plásticas e embalagens toda vez que o irriga.
Mas, como muitos outros ali, ele teme que o tratamento da água, embora possa retirar poluentes nocivos, também remova alguns dos fertilizantes naturais que até as autoridades dizem que ajudaram a tornar esse vale tão produtivo.
E, apesar das garantias do governo, os agricultores suspeitam o pior: que quando a água for tratada será bombeada de volta para a Cidade do México, deixando as fazendas secas.
"Se eles tirarem as águas negras, vamos morrer de fome", disse Cruz. "Não sabemos fazer outra coisa."
Os agricultores irrigam as plantações com água de esgotos em todo o mundo em desenvolvimento, mas em nenhum outro lugar na escala do vale de Mezquital, dizem pesquisadores. Os 900 quilômetros quadrados dos campos irrigados do vale ficam no final de um labirinto de túneis, rios, lagos, represas e reservatórios que datam do século 14. A Cidade do México nunca conseguiu manter essas águas à distância. Quando elas transbordam, como fazem quase todo ano na temporada de chuvas, o esgoto jorra pelas ruas.
"Era um problema previsível, mas nunca lhe demos atenção suficiente", disse Ernesto Espino de la O, que administra o projeto de abastecimento e tratamento de água para a Comissão Nacional da Água.
Para impedir as inundações, o governo federal está construindo um túnel de 62 km que conduzirá todo o esgoto para o norte.
Para os agricultores dali, a prova de que sua água é boa está no que eles veem ao seu redor. "As plantas não absorveriam veneno; elas morreriam", disse Jesús Aldana Ángeles, 75, agricultor de quinta geração que observava seu pequeno rebanho de carneiros mastigar os restos da colheita de alfafa. Ele atravessou um caminho sobre um canal de irrigação que rodeia sua casa como um fosso preto. "Água ruim não deixaria nada verde", ele disse. "Mas aqui as águas negras deixam tudo fértil."


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