São Paulo, segunda-feira, 17 de agosto de 2009

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A marcha chinesa a oeste, à custa dos uigures

Por ANDREW JACOBS

SHIHEZI, China - Eles marcharam pelas ruas de Pequim, Xangai e incontáveis aldeias, empurrados pelo rufar dos tambores e por vivas patrióticos. Era 1956, e Mao Tse-tung estava convocando a juventude chinesa a desbravar o oeste, a vasta terra fronteiriça conhecida como Xinjiang, que por séculos desafiara a dominação.
Após um mês de viagem de trem e caminhão, milhares de pessoas chegaram a Shihezi, posto militar avançado no deserto de Gobi, para descobrir que os empregos industriais, banhos quentes e telefones em cada casa eram apenas promessas vazias para atraí-los tão longe.
"Vivemos em buracos no chão, e tudo o que fazíamos noite e dia era trabalho pesado", lembra-se Han Zuxue, um homem de 72 anos marcado pelo sol, que era adolescente quando deixou sua Província de Henan, no leste. "No começo, chorávamos todo dia, mas com o tempo esquecemos nossa tristeza."
Mais de cinco décadas de labuta depois, homens e mulheres como Han ajudaram a fazer de Shihezi um vibrante e arborizado oásis, famoso em toda a China por seus tomates enlatados, seu forte álcool de grãos e suas enormes safras de algodão.
Essa cidade de 650 mil pessoas é uma vitrine da Corporação de Produção e Construção de Xinjiang, um conglomerado de fazendas e fábricas criado por ex-soldados do Exército Vermelho ao final da guerra civil.
Com uma população total de 2,6 milhões, dos quais 95% chineses da etnia han, predominante na China, Shihezi e várias outras localidades criadas por militares são redutos de estabilidade numa região onde a maioria da população não han tem vivido descontente com o domínio de Pequim. Em julho, isso transpareceu nos distúrbios étnicos que custaram 197 vidas em Urumqi, a capital regional, que fica a duas horas de carro de Shihezi.
O governo diz que a maioria dos mortos era da etnia han, agredidos a pauladas por turbas de uigures, muçulmanos cuja presença em Xinjiang tem sido continuamente diluída pela migração vinda do populoso leste da China.
"Desde que chegamos, eles se ressentiram contra nós e não tiveram consideração por como melhoramos este lugar", disse He Zhenjie, 76, que passou sua vida adulta aplainando dunas, plantando árvores e escavando valas de irrigação. "Mas estamos aqui para ficar. Os uigures jamais irão nos arrancar Xinjiang."
Durante meados da década de 1950, cerca de 40 mil jovens foram atraídas para Xinjiang com promessas de boa vida, mas descobriram ao chegar que seu principal propósito seria aliviar a solidão dos pioneiros e consolidar a presença han por meio da sua prole.
"Achei que iria ser enfermeira, mas acabei varrendo ruas e limpando banheiros", disse Yue Caiying, que se mudou para ali em 1963 e, como muitos dos que tinham boa formação, foi forçada a deixar de lado suas ambições pessoais.
Em 1949, quando os comunistas proclamaram a República Popular da China, havia apenas 300 mil pessoas da etnia han em Xinjiang. Hoje, elas são 7,5 milhões, um pouco mais de 40% do total da população da região. O percentual de uigures caiu para 45%, ou 8,3 milhões.
Seu descontentamento cresceu apesar de Xinjiang ter ficado mais próspera, graças em parte às suas enormes reservas de gás natural, petróleo e minerais. Muitos uigures se queixam da repressão à sua fé islâmica, das políticas oficiais que marginalizam seu idioma e da falta de empregos.
Os primeiros colonos, como Ma Xianwu, 94, que chegou ali em 1951, oferecem uma típica mistura de emoções conflitantes. Ele manifestou deslumbramento com a cidade que ajudou a construir, mas também pesar pelas dificuldades.
Mas qualquer amargura já se apagou. "Estávamos servindo à pátria", disse ele, desdenhando a adulação de um visitante. "A glória pertence ao partido. Sou só uma gota d'água no oceano."

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