São Paulo, segunda-feira, 17 de outubro de 2011

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ARTE & ESTILO

A obra de uma vida, por um fio

Por RANDY KENNEDY

O artista Maurizio Cattelan, cuja carreira loucamente inventiva e irreverente já dura quase um quarto de século, há muito tempo vê a ideia de uma retrospectiva convencional de sua obra, em um museu, com horror.
Para um artista cujos trabalhos mais conhecidos incluem esculturas estranhamente realistas do papa João Paulo 2° sendo derrubado por um grande meteorito (errante ou, quem sabe, divinamente conduzido), de Hitler como jovem suplicante, de um esquilo que se suicidou e de John F. Kennedy descalço e estranhamente comovente deitado em um féretro, uma retrospectiva cronológica padronizada desarmaria as peças, ele pensou, e neutralizaria seu humor mordaz. Seria como assistir a um show de humor durante uma missa.
Então Cattelan teve uma ideia: pegar todos seus trabalhos e pendurá-los com cordas no meio do museu Guggenheim, em Nova York, como se fossem gordos salames na vitrine de um açougue. E que se danem as expectativas do mundo das artes e as hierarquias de curadores!
Para surpresa dele, o museu aceitou a ideia, e assim, a partir de 4 de novembro, o Guggenheim vai promover uma das mostras mais estranhas e audazes de seu meio século de história. O museu vai suspender obras de arte que pesam vários milhares de quilos -e valem várias dezenas de milhões de dólares- de cabos presos a uma armação de alumínio instalada a 27 metros de altura no ar, sob o domo de vidro do museu.
Cattelan, 51 anos, insiste que a mostra será sua última e que ele vai aposentar-se oficialmente de fazer arte assim que ela terminar, embora o quê exatamente isso significa no léxico de Cattalan é algo que ninguém sabe ao certo.
"Vou entender se as pessoas pensarem que é apenas uma brincadeira ou mais um truque meu", disse ele. No entanto, Cattalan acrescentou que fala a sério quando diz que simplesmente não se sente mais compelido a produzir objetos do tipo que sempre foram sucesso de crítica. (Uma escultura de cera de Cattelan aparentemente surgindo de um túnel no meio do piso de um museu de arte foi vendida por quase US$8 milhões.)
Seu sucesso vem sendo ainda mais notável quando se consideram suas origens: filho de um caminhoneiro e uma faxineira de Pádua, que nunca frequentou escola de arte e mais ou menos descobriu a arte por acaso, como uma maneira de evitar a obrigação de encarar um emprego normal.
Sobre sua decisão de parar, ele disse: "Eu não estava feliz. Comecei a sentir uma distância das coisas que eu fazia, como se estivesse sob o efeito de um anestésico. E então veio a solução, então enxerguei a luz ao final do túnel: me aposentar."
Ele descreve a própria retrospectiva como "um pendurar-se -ou enforcar-se- realmente democrático", que vai representar um derradeiro e efêmero trabalho novo feito de quase todos os trabalhos que ele já produziu.
O planejamento começou para valer na primavera passada, com a criação de uma pequena maquete da exposição, usando modelos miniaturizados de cada peça pendurados por barbantes de um pedaço de metal. Essa maquete foi guardada em um depósito no West Side de Manhattan.
Um dos maiores desafios para a mostra foi persuadir os colecionadores de obras de Cattelan a ceder seus trabalhos caros e deixar que ficassem três meses perigosamente pendurados no ar.
"As primeiras cartas que enviei foram muito vagas, dizendo mais ou menos que haveria uma 'exposição não ortodoxa'", contou Nancy Spector, a curadora chefe do Guggenheim. "Mas, quando chegou mais perto do momento, tive que ser franca com as pessoas." No final, apenas um colecionador recusou seu pedido. As peças vêm chegando a Nova York há meses, vindas de lugares tão distantes quanto Taiwan, Grécia e Mônaco.
Uma tarde em maio, Cattelan recebeu uma visita inesperada de Dankis Joannou, o industrial grego que possui uma das maiores coleções de trabalhos de Cattelan e corre o risco de ser o maior prejudicado se a mostra inteira desabar.
Se estava nervoso por essa razão, Joannou não traiu o fato, correndo de um carro que o esperava para ver a maquete, dando tapinhas nas costas de Cattelan, como um pai orgulhoso do filho, e, em dado momento, posicionando-se de quatro no chão para olhar a maquete de baixo para cima. "Eu não esperava que fosse tão extrema", disse ele.
A despeito de sua despreocupação italiana, porém, Cattalan é quem parece estar mais ansioso com a retrospectiva, perguntando-se em voz alta se será vista simplesmente como uma coisa grande e tola -um receio de ser descoberto que ele expressou muitas vezes ao longo de uma carreira que parece ter apenas crescido mais e mais.
"É como saltar de um avião e não saber ao certo se o pára-quedas vai se abrir", disse ele . Mas se reanimou. "Desta vez, tenho uma desculpa: não é minha culpa. Estou me aposentando!"



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