São Paulo, segunda-feira, 18 de maio de 2009

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Governo de Mianmar causa ira de guerreiros

Por THOMAS FULLER

LAIZA, Mianmar — Os membros da tribo kachin, que habitam as montanhas na fronteira de Mianmar (ex-Birmânia) com a China, têm reputação de serem guerreiros silenciosos da selva, famosos por terem repelido ataques japoneses na Segunda Guerra Mundial com armadilhas e por deceparem orelhas dos inimigos mortos.
Agora, como já fizeram outras vezes em sua história marcada por guerras, os kachin torcem por paz mas estão preparados para o combate —desta vez contra o governo central de Mianmar. “Havendo ou não guerra novamente, precisamos estar preparados”, disse o major Zauja Nhkri, do Exército de Independência Kachin, que conta com 4.000 homens armados. “Se nosso exército for forte, poderemos manter a paz.”
Enquanto governantes militares de Mianmar se prepararam para adotar uma Constituição nova e contestada, em 2010, os acordos de trégua entre o governo central e mais de uma dúzia de grupos étnicos armados, entre eles os kachin, vêm se enfraquecendo. O aumento nas tensões acontece num momento em que os generais reprimiram a dissensão política, arrebanhando seus adversários e sentenciando-os a longas penas de prisão.
A nova Constituição prevê o retorno nominal do país a um governo civil, após 47 anos de regime militar, e pode pôr fim formal à guerra civil hoje dormente que assola o país desde sua independência do Reino Unido, em 1948.
Mas, como condição para o que descrevem como um novo começo da unidade nacional, os generais que governam o país ordenaram que os grupos étnicos —que controlam grandes bolsões de território nas áreas de fronteira norte e leste— entreguem suas armas e desmontem seus grandes exércitos. A resposta à exigência, até agora, vem sendo “não”.
“Ouviremos muitos disparos no próximo ano”, comentou Aung Kyaw Zaw, ex-soldado do hoje desativado Partido Comunista Birmanês, que mantém contato com os líderes dos grupos étnicos. “O governo birmanês não está disposto a dar autonomia.”
A junta militar de Mianmar chamou a atenção do mundo em setembro de 2007, quando esmagou o levante de monges budistas, e em maio passado, quando recusou a ajuda internacional após um ciclone devastador. Mas esses fatos refletiram o domínio que os generais exercem sobre as partes do país formadas por planícies, onde se concentra a população birmanesa, majoritária.
A situação é muito distinta nas regiões de montanha, onde o controle do governo sempre foi tênue e onde grupos étnicos como os wa, os shan e os kokang se unem no repúdio ao domínio histórico dos birmaneses. Se os conflitos forem reacendidos, o resultado pode ser um fluxo de refugiados para países vizinhos, como Tailândia e China, e o ressurgimento do tráfico de heroína.
Para aumentar a complexidade da situação, Mianmar hoje é alvo de uma disputa geopolítica por influência travada entre as grandes potências da região, Índia e China, cada vez mais sedentas de recursos naturais.
Empresas chinesas têm construído hidrelétricas nos afluentes setentrionais do rio Irrawaddy, apesar das objeções dos kachin, e têm ajudado a financiar estradas no país, permitindo a venda de eletrônicos e roupas chinesas em Mianmar e a exportação de madeira e outros bens básicos para a China.
Recentemente, a China derrotou a Índia na disputa por um contrato de 30 anos de compra de gás natural de Mianmar. Em março, China e Mianmar assinaram um “acordo de cooperação” relativo a gasodutos e oleodutos, mas os detalhes do acordo são vagos.
O general Gam Shawng Gunhtang, chefe do Estado-Maior do Exército de Independência Kachin, teme que os oleodutos e gasodutos marginalizem os grupos étnicos fronteiriços e deem primazia à junta de Mianmar. “A junta está tentando convencer o governo chinês de que os grupos armados da região fronteiriça não são grupos políticos, apenas insurgentes ou terroristas”, disse o general. “O oleoduto será uma ferramenta e uma oportunidade para a junta eliminar os grupos armados.”


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