São Paulo, segunda-feira, 18 de maio de 2009

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Ensaio

Anand Giridharadas

Celular nivela cidadãos na Índia

VERLA, Índia — É possível que desde os americanos e seus automóveis, nos anos 1950, não se veja um casamento tão feliz entre uma população e uma tecnologia quanto acontece com os indianos e seus telefones celulares —grandes ou pequenos, BlackBerrys ou simples. Nem a Índia, nem o celular serão iguais depois dessa junção. Hoje a Índia é o país que ganha mais celulares novos que qualquer outro lugar do mundo: apenas em março, o número de aparelhos em uso aumentou em 15,6 milhões. O custo das ligações está entre os mais baixos do mundo. E o celular desempenha papel maior que o comum no país.
É claro que, numa nação tão grande, os quase 400 milhões de indianos que possuem celulares ainda representam apenas um terço da população. Mas a tecnologia está chegando a todos os estratos sociais, às favelas, aos vilarejos e às cidades menores, tornando-se um raro bem indiano a atravessar as divisões de casta, região e classe. Hoje, a maioria dos usuários vive fora das grandes cidades e dos Estados mais ricos. E, enquanto a conta dos celulares, cujo valor médio é inferior a R$ 10 por mês, representa 7% da renda média indiana, parece que um número suficiente de indianos ainda acha que vale a pena fazer esse sacrifício. Se a tendência atual se mantiver, dentro de cinco anos cada indiano terá um celular.
O que faz o aparelho ser tão especial na Índia? É em parte o fato de que o país passou ao largo da revolução da telefonia fixa, fazendo dos celulares o primeiro contato real que centenas de milhões de pessoas têm com o mundo externo. É em parte porque, como poucas outras máquinas vendem igualmente bem, o celular na Índia precisa fazer as vezes de computador pessoal, aparelho de som, console de videogame e agenda. É em parte porque a relativa pobreza da Índia obriga os provedores a serem mais criativos para poderem sobreviver.
Imagine como era ser jovem numa família tradicional na era pré-celular. Há pessoas em todo lugar. As portas vivem abertas. Sobram julgamentos. Os quartos são compartilhados. Assim, o celular funciona como tecnologia da individualização. Ninguém mais atende as ligações feitas a você, ninguém lê suas mensagens. Seu número é seu, e seu apenas.
O celular atrai também porque atende à necessidade indiana de situar as pessoas. Hoje as diferenças entre aparelhos celulares exercem o papel antes desempenhado por marcas na testa, braceletes de metal e cordões em volta do tórax, anunciando quem ocupa posição superior a quem.
As pessoas de classes inferiores têm números que são uma sopa de algarismos, e as de classe superior têm números que terminam em 77777, ou outra coisa que soe importante e seja fácil de lembrar. Os pequenos têm um aparelho; os grandes, dois. Os pequenos fazem seus celulares tocar, simplesmente; os grandes os fazem tocar canções de Bollywood.
Em outras palavras, o celular se adaptou à Índia. Existem 65 vezes mais conexões de celular que conexões de internet banda larga, e a diferença está aumentando. Por isso, os interessados em exercer influência sobre indianos não estão esperando para o computador virar moda, mas estão buscando formas de adaptar o celular para fazer as coisas que os ocidentais fazem on-line.
Empresas indianas inventaram maneiras, por meio de mensagens de texto, para os usuários enviarem dinheiro a templos, pagarem suas compras, procurarem empregos e enviarem mensagens de e-mail (em telefones humildes que não têm conexões de dados).
A ideia mais interessante, porém, é a de que os celulares possam transformar a democracia indiana. Os indianos são conhecidos pelo cinismo com que veem sua política, corrupta, dinástica e dominada por políticos idosos. Os mais instruídos frequentemente evitam ir às urnas. Mas, com os celulares se tornando quase universais, experimentos vêm surgindo com a meta de forjar um novo vínculo entre cidadão e Estado, por meio da participação 24 horas por dia, em tempo real, pelo celular.
No Estado meridional de Andhra Pradesh, cidadãos que registram um pedido por informações hoje podem verificar o status de seus pedidos por mensagens de texto. Qualquer pessoa que já tenha estado numa repartição pública indiana, suplicando a homens trajando ternos de safári para que façam seu trabalho, vai saudar esse serviço.
Enquanto isso, vários grupos civis criaram maneiras de usar o celular para informar os eleitores sobre os candidatos nas recentes eleições nacionais. Se você enviasse mensagem de texto à Associação de Reformas Democráticas informando seu código postal, a organização enviava de volta os perfis dos candidatos da região.
Imagine o futuro: uma jovem está sentada no sofá. Com alguns cliques, ela verifica se o formulário de imposto que entregou foi aprovado. Com mais alguns, descobre que o parlamentar que representa sua região é um criminoso e decide votar em outro. Por mensagem de texto, ela envia uma contribuição à campanha do candidato escolhido. Não é exatamente Atenas, mas pode ser um começo: na maior democracia do mundo, um governo que não é de consentimento passivo, mas que é moldado por algo que se assemelha a uma conversa.


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