São Paulo, segunda-feira, 18 de maio de 2009

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Site na internet pode ajudar a mapear a proliferação da gripe


Rastrear transações de pessoa a pessoa funciona para dólares e para vírus

Por DONALD G. McNEIL Jr.

A melhor maneira de rastrear a difusão da gripe A (H1N1) pelos EUA nas próximas semanas talvez seja imaginar que ela cavalga uma nota de dólar.
Os caminhos percorridos por milhões de cédulas de dólares estão ao cerne de um modelo computadorizado criado na Universidade Northwestern, no Illinois, e que está tentando prever o futuro da epidemia, que infectara mais de 7.500 pessoas no mundo até o fim da semana passada.
Nos últimos dez anos, a internet vem permitindo a agências de saúde identificar vírus emergentes em muito menos tempo. Relatórios de saúde pública postados na web, além de notícias de jornais e estações de rádio, são coletados por programas que fazem buscas por palavras-chave.
Agora, em conjunto com isso, supercomputadores estão sendo usados para prever a difusão dos vírus.
Modelos como esses são novos demais para terem um histórico de desempenho, mas, no final de abril, duas equipes diferentes —a da Universidade Northwestern e uma rival amiga na Universidade de Indiana, usando algoritmos diferentes— traçaram previsões quase iguais: que a gripe vinda do México, se nada fosse feito para contê-la, contaminaria entre 2.000 e 2.500 pessoas nos Estados Unidos nas primeiras quatro semanas.
Embora o número de casos pareça estar aumentando mais rapidamente do que o previsto pelos dois modelos, a projeção da Northwestern não foi muito díspare, disse Dirk Brockmann, chefe da equipe do Instituto Northwestern de Sistemas Complexos, que está fazendo o modelo da epidemia. O modelo projetou entre 150 e 170 casos até o último dia 3, contra os 226 confirmados pelo Centro de Controle de Doenças (CDC) dos EUA. “Se fosse uma ordem de magnitude de, por exemplo, mil casos em lugar de 10 mil, eu estaria preocupado”, disse Brockmann.
Até o final da última semana, os EUA tinham quase 4.300 infectados.
Dois conjuntos enormes de dados estão ao cerne de sua simulação: os dados de tráfego aéreo e tráfego urbano diário de todos os EUA, por um lado, e, por outro, o fruto do trabalho de um site incomum chamado “Where’s George?”.
O “Where’s George?” foi criado há mais de dez anos pelo programador Hank Eskin, que marcou cada cédula de dólar que recebeu com um bilhete pedindo a seu dono seguinte que registrasse seu número de série e um código postal no site, apenas para ver que distâncias as cédulas percorreriam e a que velocidade. Em 2006, o site já continha os históricos de 100 milhões de cédulas.
Brockmann ouviu falar do site e percebeu que era exatamente isso o que ele precisava: um mapa de transações de pessoa a pessoa, exatamente o tipo de interação que difunde a influenza.
Brockmann é capaz de produzir uma simulação em dois dias, já que cada atualização precisa de até dez horas de tempo de computação depois de os dados serem atualizados. O modelo do Indiana precisa de mais ou menos o mesmo tempo em seu supercomputador, o Big Red, disse o líder dessa equipe, o professor de informática Alessandro Vespignani.
Seu modelo cobre o planeta e é baseado em registros de viagens aéreas e terrestres em quase todo o mundo. “As previsões para a África são menos precisas, mas lá temos tráfego de caminhões”, disse ele.
Como o de Brockmann, o modelo doméstico de Vespignani identifica Nova York, Califórnia e Texas como os lugares em que o vírus tem se manifestado com mais força, seguidos por Illinois e Flórida.
“Ficamos espantados pelo fato de nossos mapas serem muito, muito semelhantes”, disse Vespignani. “Isso é encorajador —indica a robustez de nossos métodos.”
Brockmann e Vespignani partem de algumas premissas semelhantes. Por exemplo, a gripe típica possui um número reprodutivo que varia de 1,7 a 2,8 —ou seja, é esse o número de pessoas infectadas por cada vítima. Os dois escolheram números reprodutivos baixos, coerentes com as primeiras informações vindas do México. Ambos geraram cenários de pior hipótese, cientes de que não são realistas.
“Minha mulher foi à aula de ginástica com nossa filha, e as pessoas estavam apavoradas porque uma criança estava tossindo”, comentou Brockmann. De acordo com ele, o medo disseminado “molda os dados” porque retarda a transmissão da gripe, como também o fazem intervenções propositais como o fechamento de escolas e o tratamento com o medicamento antiviral Tamiflu.
No último dia 2, o Departamento de Saúde da Cidade de Nova York divulgou os resultados de uma pesquisa computadorizada feita com 1.996 alunos e 210 funcionários da Escola Preparatória St. Francis, em Queens. A pesquisa indicou um aumento grande dos casos da gripe entre 19 de abril, o dia em que seis alunos voltaram do México sentindo-se doentes, e 23 de abril, quando 250 alunos e funcionários relataram sintomas da gripe.
Analisando os resultados, Brockmann se animou. “Isso parece uma curva epidêmica”, disse. “Isso é algo que posso usar.”
Ele concordou que o aumento grande pode incluir estudantes que apenas entraram em pânico. Mas também pode indicar que num ambiente fechado, como uma escola, a nova gripe pode ser transmitida com rapidez surpreendente.
“Médias não dizem muita coisa”, explicou, falando de números reprodutivos. “Podemos ter um estudante que transmite o vírus para 15 outros, enquanto a média em Queens é de 0,1. Seria como colocar Bill Gates na Etiópia e então dizer que o país tem uma renda média per capita bem alta.”
Mas uma coisa ainda é verdade: “As pessoas têm uma percepção muito estranha de números grandes”, disse ele. “Se vamos ter alguns milhares de casos de gripe num país de 300 milhões de habitantes, a maioria das pessoas acha que vai ser uma dessas milhares, não uma das outras 299.990.000.”


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