São Paulo, segunda-feira, 18 de maio de 2009

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Ensaio

Benedict Carey

As pedras que obstruem o caminho da retidão

Nos últimos anos, psicólogos sociais começaram a estudar aquilo que eles chamam de “efeito mais santo que você”. Há muito se sabe que as pessoas tendem a ser excessivamente otimistas a respeito de suas próprias habilidades e sorte —a superestimar seu lugar na classe, sua disciplina, sua sinceridade.
Mas esta distorção costuma ser ainda mais forte quando se trata de julgamentos morais e pode influenciar muito a forma como as pessoas julgam as ações dos outros e as suas próprias.
A cultura, a crença religiosa e a experiência ajudam a moldar a sensação de posicionamento moral de uma pessoa em relação às demais, dizem os psicólogos, e novas pesquisas estão ajudando a esclarecer quando tal sentimento de superioridade é útil e quando é nocivo.
“A mensagem nesse trabalho não é de que você deve se livrar da indignação moral; às vezes, isso é adequado”, disse David Dunning, psicólogo social da Universidade Cornell (EUA). “Mas muitos tipos de comportamento são guiados muito mais pela situação do que pela força da personalidade. O que os outros fizeram nessa situação é um alerta muito forte sobre o que você próprio faria.”
Em um estudo, 251 alunos de Cornell previram a probabilidade de comprarem um narciso durante um evento beneficente. Claro que 83% previram que comprariam pelo menos uma flor, mas que apenas 56% dos seus colegas o fariam. Cinco semanas depois, durante o evento, os pesquisadores viram que só 43% desses alunos efetivamente compraram um narciso.
Em outras experiências, os pesquisadores confirmaram que as pessoas superestimam sua disposição em fazer o que é moralmente certo, seja em termos de doações à caridade, de votar ou de cooperar com um estranho. No final, suas previsões menos generosas a respeito do comportamento de seus pares tendem a ser precisas —inclusive para si próprios.
“A disparidade entre como eu acho que irei me comportar e como eu realmente me comporto é uma função de quão bem eu simulo a situação, e nossas simulações são guiadas por intenções”, disse Nicholas Epley, psicólogo da Universidade de Chicago e coautor, com Dunning, de várias dessas experiências.
“O problema dessas avaliações ‘mais santo que você’ é não só que superestimamos como teríamos nos comportado”, disse Epley. “É também que atribuímos todas as crises ou escândalos a uma falha de caráter —você sabe: se simplesmente demitirmos todos os banqueiros imorais de Wall Street e os substituirmos por banqueiros com moral, vamos resolver o problema.”
O efeito “mais santo que você” diminui rapidamente quando as pessoas realmente tiveram a experiência que estão avaliando —práticas contábeis ambíguas parecem menos ilusórias para quem já teve de fingir otimismo numa empresa prestes a falir. E o efeito é aparentemente menos pronunciado em culturas que enfatizam a interdependência acima das conquistas individuais, como a China e a Espanha.
Uma prática que pode moderar a sensação de superioridade moral é a religião. Todos os grandes credos enfatizam o valor de ser humilde e os perigos da arrogância.
Uma sensação de superioridade moral é intrínseca àquilo que alguns psicólogos chamam de autovalorização, que leva as pessoas a se sentirem abençoadas, altamente estimadas e fadadas a se darem bem. E às vezes se dão, sugerem os estudos —especialmente em crises de vida ou morte, como no 11 de Setembro ou em uma guerra. “Os autovalorizadores se saem muito bem, em geral, em medições da saúde mental nessas situações”, disse George Bonanno, psicólogo da Universidade Columbia.
Porém, no dia a dia, uma sensação inflada de virtude pessoal pode ser nociva. “Operadores da Bolsa excessivamente confiantes tendem a se sair pior”, disse Dunning.


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