São Paulo, segunda-feira, 18 de maio de 2009

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Nazismo, cinefilia e vingança sangrenta


A história de soldados judeus americanos que buscam revanche

Por KRISTIN HOHENADEL

PARIS — O diretor Quentin Tarantino inclui seu “Inglourious Basterds” —que terá sua pré-estreia nesta quarta-feira no Festival de Cannes— no gênero de filmes “um bando de caras numa missão”.
A história, que trata de soldados judeus norte-americanos buscando vingança contra os nazistas, é o primeiro filme solo do diretor norte-americano desde “Kill Bill: Vol. 2”, em 2004. Se for fiel a seu roteiro, o filme deve ter os diálogos afiados, as referências à história do cinema, o humor irreverente e a violência estilizada que são marcas da obra de Tarantino.
“Você tem de fazer um filme sobre algo, e eu sou um cara do cinema, então penso em termos de gêneros”, disse Tarantino. A centelha que levou a “Inglourious Basterds” (ainda sem título em português), com Brad Pitt, Diane Kruger, Mike Myers e Eli Roth no elenco, remonta aos dias de Tarantino como balconista da videolocadora Video Archives, de Manhattan Beach, Califórnia. (A inspiração para “Cães de Aluguel”, “Jackie Brown” e outros filmes de Tarantino também pode ser atribuída àquela época.)
“Os caras da Video Archives diziam: ‘Quentin, quem sabe um dia desses você faz o seu ‘Inglorious Bastards’”, disse o cineasta, referindo-se ao título original em inglês (com a grafia certa) de “Assalto ao Trem Blindado” (1978), filme de Enzo Castellari. “Mas eles nem tinham visto o filme [original]. Tudo bem, era simplesmente um grande título. Adoro o filme, não me levem a mal, mas [minha versão] não se trata de um remake.”
Lawrence Bender, que produziu quase todos os filmes de Tarantino, disse ter ficado surpreso quando o diretor lhe telefonou, em meados do ano passado, para anunciar que finalmente terminara de escrever o roteiro de “Basterds” e queria concluir o filme a tempo para Cannes, onde o cineasta recebeu a Palma de Ouro em 1994 por “Pulp Fiction — Tempos de Violência”.
“Ele me leu todo tipo de coisa ao longo dos anos, mas sempre supus que [“Basterds”] era algo que ele teria e nunca faria”, disse Bender. Tarantino é conhecido por fazer muitos desvios entre um filme e outro. Ele já dirigiu programas de TV, atuou e produziu filmes de outros e foi “mentor” e jurado convidado no programa “American Idol”.
Tarantino contou que, há alguns anos, ficou “paralisado” durante um período de pesquisas para “Basterds”. Ele pensou em fazer um documentário sobre a Segunda Guerra Mundial e até esboçou uma minissérie de 12 horas.
Então, em janeiro de 2008, resolveu iniciar uma nova tentativa de desenvolver o filme. Dias depois de completar o roteiro, o texto sem edição já circulava na internet, o que desagradou o diretor. “Isso era pessoal demais para mim, com erros de grafia e tudo o mais”, disse. As filmagens foram 70% em francês e alemão. “Quando você vê os alemães falando inglês com sotaque alemão ou soando como atores dramáticos britânicos, parece muito esquisito”, disse Tarantino. “Eu brinco que se [o diretor Steven] Spielberg ainda não tivesse feito ‘A Lista de Schindler’, depois do nosso filme ele ficaria constrangido a fazê-lo em alemão.”
A produtora de “Basterds”, Weinstein Company, diz que o intenso uso de legendas não a assustou. “Tarantino é uma linguagem universal”, afirmou o executivo Tom Ortenberg.
Como na maioria dos filmes de Tarantino, o roteiro está repleto de piadas e referências cinematográficas, além de intrigas envolvendo atores e pré-estreias de filmes. O ministro de Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, é mostrado como um típico executivo de estúdio. (“As pessoas escrevem sobre os horríveis filmes antissemitas, mas a maioria dos 800 filmes que ele fez eram comédias e musicais”, comentou Tarantino.) E é seguro dizer, sem estragar a reviravolta da penúltima cena, que o cinema salva o mundo.
Daniel Brühl, que no filme interpreta um soldado nazista e ídolo de matinês, disse ter sido atraído pela abordagem dessacralizada do diretor para a dolorosa história alemã.
“Estou curioso para ver como o filme será recebido na Alemanha”, disse Brühl, 30. “Se uma comédia é inteligente e tem profundidade, é uma forma muito legítima de falar do fascismo na Alemanha nazista, que foi também um grande show —e, se você pensar a respeito, muito ridículo.”
Quanto aos “basterds” do título, uma corruptela para “bastardos”, é o apelido dado pelos nazistas aos soldados judeus. “Os Basterds não tinham o luxo de serem soldados”, disse Tarantino. “Eles tinham o dever de serem guerreiros, porque estavam combatendo um inimigo que estava tentando eliminá-los da face da Terra.”
Tarantino, nascido no Tennessee, sul dos Estados Unidos, disse que suas fantasias de vingança na infância se centravam mais na organização racista Ku Klux Klan. “Mas é tudo a mesma coisa”, disse ele. “Uma vez que os Basterds terminem na Europa, eles poderiam ir ao Sul [dos EUA] e fazer isso com os ‘kluxers’ na década de 50. É outra história que daria para contar.”


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