São Paulo, segunda-feira, 19 de outubro de 2009

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Inteligência/Roger Cohen

Uma nova voz para a Europa

Nova York
A União Europeia está em um desânimo prolongado. Suas potências galvanizadoras, França e Alemanha, cuja reconciliação está no coração da ideia europeia, perderam o interesse pelo projeto que geraram. A visão inicial de um “EUA da Europa” deu lugar a um estranho agrupamento de 27 países com noções diferentes do que deve ser a UE.
Não digo isso para diminuir a conquista europeia. Banir a guerra do continente e estabelecer uma moeda comum, o euro, não são façanhas pequenas. A união é uma força econômica mesmo que continue sendo um pigmeu político. Suas dificuldades são consequência de seu sucesso: a unificação da Europa após o fim da Guerra Fria trouxe potências difusas com prioridades divergentes para um bloco desajeitado.
Mas já chega! “Uma união cada vez mais estreita” foi o objetivo declarado dos fundadores da UE; durante alguns anos essa busca ficou estagnada. Com a aprovação recente, pela Irlanda, do Tratado de Lisboa, os meios para que a união assuma um papel político mais destacado, escolhendo um presidente forte, estão mais próximos.
Sugiro que a UE olhe para os EUA antes de fazer sua escolha. Felizmente, nem Millard Fillmore nem Warren Harding foram o primeiro presidente dos EUA. Esse papel coube a George Washington —e o resto é história. É claro, a UE não é uma nação nova saindo de uma guerra de independência para um mundo em turbilhão. Está em paz, e suas principais instituições estão seguras. Mas seu lugar no cenário global será definido em grande medida pelo caráter e o peso de seu primeiro líder.
Tenho grande respeito por Herman Van Rompuy e Jean-Claude Juncker, e em princípio não tenho nada contra países pequenos como os seus, Bélgica e Luxemburgo, mas se a UE, em nome de um compromisso mal colocado, escolher uma figura pouco conhecida para seu primeiro presidente estará tomando o caminho de Fillmore-Harding para o ridículo.
Examinei os potenciais candidatos ao cargo —o presidente terá mandato de dois anos e meio—, e a única opção de credibilidade parece ser Tony Blair, ex-premiê britânico, político tão dotado (e problemático) a sua maneira quanto Bill Clinton. A escolha de Blair seria uma declaração de intenções sérias.
Isso é necessário. Nos próximos anos haverá necessidade de uma forte liderança estratégica para determinar o papel da Europa no Afeganistão; a relação da Europa com a Rússia e a China em ascensão; a voz da Europa na reforma de instituições como a ONU, o G20 nascente e a Otan (aliança militar ocidental); a contribuição da Europa para os esforços de não proliferação nuclear; e a voz da Europa sobre a mudança climática e a recuperação econômica. A Europa não é apenas um bloco comercial, é um exemplo do poder da democracia liberal, que inspirou vizinhos e grupos como o Mercosul da América Latina. Um líder deve projetar essa mensagem.
Internamente, a liderança de Blair garantiria que o Reino Unido continuasse fortemente envolvido na UE, mesmo que o eurocético David Cameron se torne primeiro-ministro. Também ajudaria a forjar compromissos entre os países ex-comunistas da Europa central que temem uma Europa federal e membros mais antigos que não têm essas preocupações.
A oposição a Blair se deriva de seu apoio à Guerra do Iraque. A guerra foi mal conduzida e mal concebida —mas se Blair tivesse abandonado os EUA pouco haveria restado da aliança transatlântica que foi a rocha militar sobre a qual se construiu a UE.
Mais importante hoje do que a retrospectiva é garantir uma Europa com uma liderança forte o suficiente para definir uma direção para o continente.
Outro homem que pensou profundamente sobre a Europa é o ex-ministro das Relações Exteriores alemão Joschka Fischer, que, assim como o premiê francês François Fillon e o chanceler sueco Carl Bildt, seria uma opção forte para novo chefe de Relações Exteriores, ao lado do presidente.
A última coisa de que a união precisa é uma reação de “Quem?” para suas opções. Só se tem uma oportunidade de causar uma boa primeira impressão.


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