São Paulo, segunda-feira, 19 de outubro de 2009

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Onda de sequestros leva temor ao Quênia


Crianças e mulheres ocidentais são alvos em Nairóbi

Por JEFFREY GETTLEMAN

NAIRÓBI, Quênia — O pequeno Emmanuel Aguer foi uma das vítimas mais recentes.
Ele foi agarrado há um mês, a caminho da casa de sua avó. Quatro dias mais tarde, depois de sua família de classe média ter recebido telefonemas exigindo US$ 70 de resgate, senão ele seria morto —telefonemas que a família nem sequer tinha certeza de serem genuínos—, seu tio encontrou seu corpo dentro de um saco de açúcar. Ele levara coronhadas na cabeça, e seus olhos tinham sido arrancados.
Emmanuel tinha seis anos.
“O que fizeram foi tão traumatizante que nem sequer consigo expressar”, disse seu tio Mariak Aguek. Nairóbi, capital do Quênia, é uma cidade repleta de muito pobres e muito ricos, tão notória por sua criminalidade violenta que é frequentemente apelidada de “Nai-robbery” (Nai-roubo). Mas há um novo problema ali, ou, pelo menos, um problema que vem provocando um medo novo —os sequestros. Vários ataques recentes foram desferidos contra crianças e mulheres ocidentais.
Hoje, nas favelas apinhadas de barracos de zinco que cercam o centro de Nairóbi, pais saem às ruas segurando seus filhos pelas mãos, mesmo para percorrer distâncias curtas. Nos encraves onde vivem diplomatas, a segurança nas escolas foi reforçada.
Consultores de segurança dizem que mais de cem residentes de Nairóbi foram sequestrados neste ano, com pedidos de resgate —aumento enorme em relação aos anos anteriores. Grandes valores em dinheiro vêm trocando de mãos. E, como dizem especialistas, assim que se começam a pagar resgates, os sequestros se convertem de crime em negócio. Basta perguntar aos que já passaram por isso na Cidade do México, em Bagdá ou em Bogotá.
Os sequestros são altamente organizados e frequentemente cruéis. Recentemente, uma mulher belga sequestrada foi mantida nua durante mais de uma semana, segundo consultores de segurança que trabalharam no caso dela. Uma segunda estrangeira, esta alemã, foi capturada num ataque posterior e então trancada num armário com a belga, indicando que uma quadrilha criminosa pode estar alvejando mulheres ocidentais. Em julho, dois rapazes bem vestidos entraram na oficina de um comerciante indiano em Nairóbi e lhe pediram um orçamento para a construção de um poço. Quando o comerciante foi ao local, foi atacado por seis homens, colocado em um carro e espancado cruelmente com cintos e martelos, até sua família juntar US$ 3.000 para o resgate.
Muitos se perguntam se os bandidos quenianos não terão tirado sua inspiração de colegas somalis no país vizinho, que ganharam milhões com a captura de estrangeiros em terra e mar.
“O apetite deles está aumentando”, disse Charles Owino, porta-voz da polícia queniana.
Empresas de segurança quenianas veem o aumento no número de sequestros como prova de que suas outras medidas de segurança podem estar funcionando —bem até demais, possivelmente. O grande medo que grassava em Nairóbi até pouco tempo atrás era o de assaltos a residências, em que bandidos armados de facões e revólveres escalavam os muros de uma casa durante a madrugada e aterrorizavam a família, procurando joias e produtos eletrônicos.
Executivos da KK Security, força de segurança privada que protege 4.000 residências em Nairóbi, disseram que antigamente atendiam a uma chamada por semana por invasão de domicílio. Hoje, isso acontece mais ou menos duas vezes por ano.
“A criminalidade está mudando: do assalto para o crime inteligente”, disse Patrick Grant, executivo da KK. E os sequestros, afirma, “representam dinheiro fácil”.
Nairóbi parece estar sob a influência de mais uma onda de criminalidade, e, embora a polícia diga que a está reprimindo (o que, em muitos casos, quer dizer simplesmente atirando em suspeitos à primeira vista), um clima geral de medo parece estar se disseminando.
Não só membros das classes mais altas estão sendo atacados. Tome-se o caso da família de Emmanuel. Ela tem dinheiro suficiente para dispor de geladeira e aparelho de som. Mas não chega a ser rica. São refugiados do sul do Sudão, pessoas que já passaram por muito sofrimento.
“Meu filho era realmente inteligente, realmente honesto. Quando eu o mandava à loja para comprar alguma coisa, ele sempre voltava com o troco certo”, contou o pai de Emmanuel, Ater Aguek. “Às vezes eu sonho que ainda estou brincando com ele.”


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