São Paulo, segunda-feira, 19 de outubro de 2009

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Repressão barateia heroína na Tailândia

Por THOMAS FULLER

DOI CHANG MOOB, Tailândia — Há mais de meio século, a heroí-na é transportada por morros e florestas da região de Doi Chang Moob, na Tailândia, na primeira etapa de uma jornada que leva a droga a cidades tão distantes quanto Sydney ou Tóquio. Mas as autoridades antinarcóticos estão assombradas diante do espetáculo que têm testemunhado: uma inundação de heroína e anfetaminas jorrando de Mianmar, já que os traficantes, em pânico, têm queimado seus estoques.
“É uma liquidação”, disse Pornthep Eamprapai, diretor no norte do país do Escritório Tailandês de Controle de Narcóticos, com quase três décadas de experiência monitorando as drogas ilícitas que saem de Mianmar. “Alguns traficantes da fronteira estão comprando a crédito. Eles nem precisam pagar em dinheiro. Esta é a primeira vez que vejo isso.”
A principal razão para o aumento no tráfico, segundo as autoridades, é a repressão do governo militar de Mianmar a grupos étnicos armados ao longo das fronteiras com a Tailândia, o Laos e a China. Os grupos étnicos, muitos dos quais têm um longo histórico de produção de drogas ilícitas, estão se preparando para uma batalha contra a junta militar birmanesa e correndo para converter seus estoques de heroína e metanfetaminas em dinheiro para adquirir armas, dizem as autoridades antinarcóticos.
“Vários traficantes estão liquidando seus estoques”, disse Pamela Brown, agente da DEA (agência norte-americana de combate a narcóticos) em Chiang Mai, na Tailândia. “Eles estão tentando tirar grandes carregamentos de heroína [do país], e alguns têm tido sucesso.”
As apreensões policiais de heroína no norte da Tailândia aumentaram mais de 20 vezes. De outubro de 2008 a agosto deste ano, as autoridades apreenderam 1.268 kg de heroína, contra 57 kg no ano anterior, segundo o Escritório de Controle de Narcóticos.
Os traficantes também estão sob crescente pressão em Mianmar, a antiga Birmânia, onde a junta militar parece ter se tornado mais agressiva na apreensão das drogas ilícitas. Ela às vezes fazia vista grossa aos traficantes, mas, diante da perspectiva de enfrentar exércitos financiados pela droga, os militares tiveram um incentivo adicional para reprimir.
Os grupos étnicos —os wa, kachin e chan, entre outros— são obscuros para a maioria dos estrangeiros, mas seu destino é crucial para o futuro do fornecimento mundial de heroína, segundo especialistas. Embora eles hoje produzam apenas 5% da oferta total, a instabilidade poderia permitir que eles gerem muito mais.
A junta birmanesa e seus representantes repeliram rebeldes da etnia karen ao longo da fronteira com a Tailândia em junho e, em agosto, atacaram e derrotaram um grupo chinês, os kokang, no norte. Essas campanhas fizeram os líderes de outros grupos étnicos se perguntarem se serão os próximos.
O impasse entre grupos étnicos e o governo central nas isoladas montanhas do norte de Mianmar é uma anomalia na Ásia moderna, um recuo a tempos muito mais instáveis. Os wa e kachin têm exércitos grandes, bem equipados, e administrações homólogas aos pequenos reinos que existiram na Ásia antes que as potências coloniais europeias introduzissem o conceito de Estado-nação.
Agora, numa desesperada tentativa de proteger seus feudos, eles estão atirando uma larga rede para tentar obter de mais armas, segundo o coronel Peeranate Katetem, subcomandante de uma unidade tailandesa de combate a narcóticos com sede em Chiang Rai, perto da fronteira com Mianmar. Ele disse que há três meses recebeu um telefonema de um representante wa que se disse interessado em gastar cerca de US$ 25 milhões para comprar rifles de assalto M-16 e “qualquer coisa capaz de explodir”. O coronel Peeranate disse que o grupo parecia ávido em barganhar heroína por armas. O militar disse ter se recusado a prestar tal ajuda.
O Triângulo Dourado, como é conhecida a região na confluência entre Tailândia, Laos e Mianmar, já foi a principal origem da heroína do mundo. Nos últimos anos, foi ofuscada pelo Afeganistão, que produz mais de 90% da oferta global.
Mas especialistas alertam que isso pode mudar se a dormente guerra civil birmanesa se reacender. “O comércio de drogas floresceria”, disse Ko-Lin Chin, criminologista da Universidade Rutgers, de Nova Jersey (EUA), e autor de um livro sobre o Triângulo Dourado, publicado neste ano. Chin disse acreditar que a plantação de papoula, matéria-prima do ópio, atualmente suprimida em muitas áreas, poderia ser retomada em escala mais ampla. “Eles inundariam o mundo com ópio.”
Mianmar tem noticiado enormes apreensões de drogas nos últimos meses, inclusive uma em agosto, de mais de 726 kg, segundo as autoridades antinarcóticos. Milhões de pílulas de metanfetaminas também foram apreendidas na cidade fronteiriça birmanesa de Tachilek.
“Não houve nada nessa escala no ano passado”, disse Leik Boonwaat, representante no Laos do Escritório da ONU para Drogas e o Crime. “Este ano tem sido bastante excepcional.”


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