São Paulo, segunda-feira, 19 de outubro de 2009

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Tóquio teme perder vista do Fuji

Por MARTIN FACKLER

TÓQUIO — Quando era criança, em Tóquio, Makoto Kaneko lembra que o cone perfeito coberto de neve do monte Fuji era como um companheiro constante, visível no horizonte desde as ruas estreitas de seu bairro de trabalhadores. A visão mais majestosa era de uma encosta íngreme chamada carinhosamente de Fujimizaka, “a encosta para ver o monte Fuji”.
Hoje, a loja de 80 anos de Kaneko, que vende alimentos cozidos, é um dos vários estabelecimentos antigos e templos budistas de madeira que continuam fazendo do bairro de Nippori um raro oásis de encanto medieval na imensidão de concreto de Tóquio. Mas o vulcão distante, o pico mais alto do Japão e principal símbolo nacional, tem sido cada vez mais bloqueado por arranha-céus e pela poluição.
Kaneko disse que ele e outros moradores antes não se importavam com a urbanização porque ainda tinham a vista de Fujimizaka, que se tornou uma pequena atração turística. Então, um dia, uma década atrás, eles souberam de projetos para a construção de um prédio de apartamentos de 14 andares a mais de um quilômetro de distância, que bloquearia parcialmente essa vista.
“Minha mente ficou em branco de desespero”, disse Kaneko, 83. “Foi então que percebemos o que iríamos perder.”
Com a ajuda de um professor universitário, os moradores mais antigos do bairro formaram a Sociedade para Proteger o Fujimizaka de Nippori, liderada por Kaneko. O grupo procurou as empreiteiras, os proprietários de terras e os governos locais, mas seus esforços se chocaram com um dilema de preservação: proteger um edifício ou um parque é uma coisa, mas como se protege uma vista?
Salvar a vista do Fujimizaka de Nippori exigiria limitar a altura dos edifícios em um corredor em forma de leque com 5 km de comprimento e até 305 m de largura em bairros densamente povoados. A sociedade encontrou rígida resistência das autoridades e de empreiteiras de Tóquio, cujas propriedades se ergueram rapidamente das cinzas do pós-guerra graças em parte à falta de restrição às construções.
“A abordagem de Tóquio foi construir primeiro, preocupar-se com a beleza e a preservação depois”, disse Kazuteru Chiba, professor de planejamento urbano na Universidade Waseda, em Tóquio, que ajudou a formar a sociedade Fujimizaka. “Isto é verdade mesmo quando envolve um emblema nacional como o monte Fuji.”
Ainda assim, a causa do bairro lentamente ganhou apoio na capital japonesa, como parte de um pequeno mas crescente clamor para preservar os locais históricos que restam na cidade. O bairro se beneficiou do fato de Utagawa Hiroshige, um dos mais famosos artistas japoneses do século 19, ter retratado a vista de Fujimizaka em uma xilogravura.
As autoridades disseram que têm poderes limitados para restringir os direitos da propriedade privada: em muitos casos, elas se limitam a pedir aos proprietários que contenham voluntariamente a altura de suas construções.
Quando a sociedade Fujimizaka e as autoridades locais procuraram a empreiteira do prédio de 14 andares, só puderam pedir sua cooperação. A empresa, filial imobiliária do que hoje é a siderúrgica JFE Holdings, pediu US$ 12 milhões de indenização para eliminar os cinco andares superiores do prédio de US$ 16 milhões. Como a soma estava muito além das posses da sociedade, a empreiteira foi em frente e concluiu o prédio em 2000. Hoje ele bloqueia um terço do monte Fuji, a parte esquerda da vista do Fujimizaka.
Como a maioria dos moradores, Kaneko não está nada otimista.
“Não posso imaginar Nippori sem o monte Fuji”, disse. “Mas provavelmente é apenas uma questão de tempo antes que outro prédio apareça e bloqueie o que restou.”


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