São Paulo, segunda-feira, 20 de abril de 2009

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Corrupção afeta formação de força afegã


Com a justiça à venda, mais gente recorre ao Taleban

Por RICHARD A. OPPEL Jr.

GHAZNI, Afeganistão — O presidente dos EUA, Barack Obama, anunciou recentemente uma nova estratégia que inclui o envio de mais 4.000 soldados norte-americanos neste semestre para treinar a Polícia Nacional e o Exército do Afeganistão.
Mas a escassez de instrutores norte-americanos é apenas um dos fatores que atrapalham a polícia afegã. Se a experiência dos soldados dos EUA que já treinam policiais na Província de Ghazni serve de indicativo, a melhora do policiamento pode ser impossível a não ser que autoridades de todos os níveis deixem de canibalizar a administração pública e a polícia em busca de lucros rápidos.
Em duas semanas de entrevistas nesta montanhosa região de agricultores e pastores pobres, soldados norte-americanos disseram, exasperados, que é difícil determinar qual é o seu adversário mais perigoso —os poucos milhares de militantes do Taleban que dominam as aldeias do país por meio de um governo paralelo de mulás, ou a corrupção, tão disseminada que afeta duramente os esforços para melhorar a polícia e já destruiu a fé de muitos afegãos no governo.
A falta de confiança, somada à ausência de forças de segurança em quase todas as aldeias, fortalece ainda mais o Taleban como único poder de fato no Afeganistão.
A lista de esquemas que abalam a imposição da lei é longa e desconcertante, segundo agentes norte-americanos e afegãos que citam alguns exemplos: policiais que furtam cargas de gasolina; juízes e promotores que tomam decisões com base em subornos; autoridades de alto escalão que enriquecem com o contrabando de haxixe e cromita; e a venda de cargos policiais e políticos de médio escalão, às vezes por mais de R$ 100 mil, dinheiro que os compradores podem recuperar por meio de mais propinas e roubos.
Em alguns casos, os oficiais norte-americanos pediram que seus nomes não fossem citados ao comentarem acusações específicas, ou que os cargos de certos líderes do governo e da polícia do Afeganistão fossem omitidos, pois do contrário ficaria impossível trabalhar com tais funcionários, o que é uma parte importante da sua missão.
Mas a frustração era palpável quando eles descreviam a enorme corrupção que domina todo o serviço público nesta Província de 1,3 milhão de habitantes, cuja capital, Ghazni, fica 130 km a sudoeste de Cabul.
Referindo-se a um funcionário corrupto de alto escalão que ele vê rotineiramente, o major Randy Schmeling, 43, que comanda as equipes de instrutores policiais norte-americanos em Ghazni, disse: “Eu gostaria de arrombar sua porta, pisar no peito dele, apontar minha 9 mm para sua cabeça e dizer: ‘Pare o que você fazendo!’”.
Alguns colegas afegãos dos soldados reconhecem o problema. “Em cada departamento há corrupção”, disse o coronel Mohammed Zaman, que está deixando o cargo de chefe provincial de polícia. “Não são só os promotores e juízes. Esta é a razão pela qual ninguém aceita o estado de direito, porque o governo não está respeitando o estado de direito.”
O resultado é uma polícia afegã ineficaz e terrivelmente mal-equipada, além de uma frustrante falta de justiça para os cidadãos do país. Pior ainda, em comparação com o exercício de autoridade do governo, a lei imposta pelo Taleban é muito mais certa —rápida e clara, ainda que muito mais cruel.
“As pessoas não confiam nos funcionários nomeados nem nos funcionários eleitos, por uma boa razão: eles tiram das pessoas e não dão nada em troca”, disse o major Schmeling.
“Atualmente não há meritocracia aqui”, acrescentou. “É assim: ‘Ei, sua irmã tem uma boca bonita —quer ser um general?’.”
A cultura da corrupção afeta tudo: promoções, tarefas, resolução de casos. Como exemplo, Schmeling citou um policial que há um ano era um modesto patrulheiro e vigilante. Até que, segundo ele, o agente arrumou o dinheiro para um novo cargo: um importante posto não comissionado na força policial provincial.
“Enquanto as pessoas estiverem comprando posições como essa para si, as [outras] pessoas nunca irão confiar no sistema”, disse o major.
Quem compra os cargos faz um investimento que pretende recuperar, com lucro. Os cargos que geram mais dinheiro, como os postos perto da rodovia entre Cabul e Candahar, onde há oportunidades para extorquir caminhoneiros e contrabandistas, são vendidos com ágio, dizem os soldados. Mas, nesse processo, funcionários honestos são preteridos ou punidos.
Muitos militares questionam se alguma coisa irá mudar algum dia. “A corrupção aqui é uma maior ameaça a um governo estável do que o Taleban”, disse o primeiro-sargento John Strain, que participa da unidade norte-americana responsável por treinar a polícia de Ghazni.
“Se ficarmos aqui mais um ano, ou mais 50 anos, acho que provavelmente levará apenas dois ou três anos depois de irmos embora para que volte à forma como era logo antes de chegarmos aqui”, acrescentou ele.
“Ter de admitir isso quando você olha essas crianças [afegãs] realmente parte o coração, pensar que o que você está fazendo provavelmente não vai dar em nada”, afirmou Strain.
Extorsões cometidas por policiais são comuns. Mas também há fraude e corrupção nos degraus superiores da cadeia de comando. Vários policiais participam de um grupo que tem furtado milhares de litros de gasolina todos os meses, uma forte razão para alguns distritos receberem menos de metade da sua quota, segundo oficiais norte-americanos, em geral impotentes para fazer qualquer coisa senão relatar a corrupção aos seus superiores.
Em outros casos, “guarda-costas” provinciais cobram para proteger contrabandistas, algo entre R$ 900 e R$ 4.000 por caminhão, garantindo uma passagem segura através de Ghazni, de acordo com um policial local recentemente forçado a deixar o seu cargo.
“Funcionários de alto escalão em Ghazni têm imunidade perante a lei”, disse essa fonte, que exigiu anonimato por temer represálias. Comparando muitas autoridades provinciais a uma máfia criminosa, ele acrescentou: “As pessoas não têm escolha senão irem para o Taleban para resolver seus problemas”.


Colaborou Sangar Rahimi, em Cabul


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