São Paulo, segunda-feira, 20 de setembro de 2010

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Como a Rússia usou a Microsoft contra dissidente

Por CLIFFORD J. LEVY

IRKUTSK, Rússia - Numa tarde de janeiro, policiais à paisana chegaram à sede de um grupo ambientalista que protestava contra a decisão do governo de reabrir uma fábrica de papel perto do lago Baikal. A fábrica havia poluído o lago, uma maravilha natural que pode conter até 20% da água doce de todo o planeta.
O grupo, chamado Onda Ambiental do Baikal, foi vítima naquele dia de uma das mais novas táticas das autoridades contra dissidentes: confiscar computadores sob o pretexto de procurarem programas pirateados da Microsoft.
Em toda a Rússia nos últimos anos, os serviços de segurança realizaram dezenas de operações similares contra grupos de ativistas ou jornais de oposição.
As autoridades dizem que as investigações refletem sua preocupação com a pirataria, que é disseminada na Rússia. Mas raramente há ações contra entidades ou veículos de comunicação que apoiam o governo.
E as autoridades receberam uma assistência de um parceiro inesperado: a própria Microsoft. Em investigações com matizes políticos em toda a Rússia, advogados contratados pela Microsoft apoiavam firmemente a polícia.
Mas em 13 de setembro, após uma reportagem do "New York Times", a Microsoft anunciou profundas mudanças para evitar que as autoridades usem o combate à pirataria como pretexto para reprimir grupos ativistas ou de oposição. A empresa na prática proibiu seus advogados de participar desses casos.
A nova política da Microsoft foi anunciada numa nota em tom contrito, assinada pelo vice-presidente-sênior e conselheiro-geral da empresa, Brad Smith. Ele disse que a Microsoft não irá mais oferecer apoio legal a investigações por pirataria com motivação política, e para isso concederá uma licença geral para o uso dos seus softwares por grupos de ativistas e veículos de comunicação. Eles serão automaticamente beneficiados, sem terem de solicitar.
Ativistas e jornalistas que já foram alvo dessas ações se disseram satisfeitos, embora alguns tenham afirmado que continuam suspeitando das intenções da empresa. No passado, advogados da Microsoft na Rússia rejeitaram apelos de jornalistas e ativistas para que não colaborassem com as autoridades que os acusavam.
A Onda do Baikal, de fato, pediu ajuda à Microsoft para se livrar da polícia. "A Microsoft não nos ajudou", afirmou Marina Rikhvanova, copresidente da ONG e uma das mais conhecidas ambientalistas da Rússia. "Eles disseram que essas questões deveriam ser tratadas pelos serviços de segurança."
Uma revisão dos casos indica que os serviços de segurança com frequência apreendem computadores, contenham eles ou não programas ilegais. A polícia imediatamente divulga ter descoberto tais programas, mesmo antes de examinar detalhadamente os computadores.
Em numerosos casos, quando os processos chegam aos juízes, as acusações policiais acabam sendo desacreditadas. Por causa das suspeitas de que as investigações tenham como base motivação política, a polícia e os promotores recorreram à Microsoft para se valer da sua influência.
No sudoeste da Rússia, o Ministério do Interior declarou em um documento oficial que sua investigação sobre um militante dos direitos humanos acusado de piratear software havia começado "com base em uma solicitação" de um advogado da Microsoft.
Em outra cidade, Samara, a polícia apreendeu computadores de dois jornais da oposição, com apoio de outro advogado da empresa. "Sem a participação da Microsoft, esses processos criminais contra defensores dos direitos humanos e jornalistas simplesmente não teriam podido ocorrer", disse o editor dos jornais, Serguei Kurt-Adjiev.
Os líderes da Onda do Baikal dizem que sabiam que as autoridades usavam essas ações para pressionar ONGs, e por isso fizeram questão de que todos os seus softwares fossem legais.
Mas eles rapidamente perceberam como seria difícil se defender. Uma autoridade responsável divulgou no local a notícia de que programas ilegais haviam sido descobertos.
Os ambientalistas disseram que, antes da ação, seus computadores tinham adesivos com o "Certificado de Autenticidade" da Microsoft, atestando a legalidade dos programas. Mas, quando as máquinas estavam sendo levadas, eles notaram algo estranho: os adesivos haviam sumido.
O site do grupo foi desativado, suas finanças se complicaram, seus planos foram revelados às autoridades.
A polícia também obteve informações pessoais nos computadores. Nas semanas seguintes, os agentes monitoraram alguns dos simpatizantes do grupo e os interrogaram.
"A polícia tinha um objetivo, que era nos impedir de trabalhar", disse Galina Kulebiakina, outra presidente da Onda do Baikal. "Eles removeram nossos computadores porque assumimos uma posição contra a fábrica de papel, e a expressamos incisivamente."
Em nota, a polícia de Irkutsk disse que um exame forense nos computadores, em fevereiro, demonstrou que vários continham softwares ilegais que poderiam custar mais de US$ 3.300.
A Onda do Baikal disse que o exame foi fraudulento. A ONG enviou cópias dos recibos dos softwares e outros documentos à filial da Microsoft em Moscou, para demonstrar que havia adquirido os programas legalmente.
O grupo acreditava que as autoridades ficariam pressionadas a retirar o processo caso a Microsoft confirmasse a autenticidade dos documentos. Mas a empresa não o fez. Em carta à Onda do Baikal, a Microsoft disse que apenas entregaria o material às autoridades de Irkutsk, que já possuíam cópias deles.
A Onda Ambiental do Baikal localizou alguns computadores velhos em Irkutsk, e conseguiu realizar os protestos contra a fábrica de papel.
Os computadores apreendidos só foram devolvidos em julho. Rikhvanova então descobriu que o dela não funcionava. Havia sido inutilizado por um vírus.


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