São Paulo, segunda-feira, 20 de setembro de 2010

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Criação de vidas vira um grande negócio

Por ANDREW POLLACK SAN DIEGO, Califórnia - O rebelde científico Craig Venter ganhou fama como caçador de genes. Foi cofundador da Celera Genomics, que mapeou o genoma humano. Angariou admiração por algumas ideias desbravadoras, mas também a inimizade de alguns rivais que o viam como alguém em busca de publicidade.
Agora Venter, 63, quer projetar seres vivos -bactérias, algas ou até plantas- a partir do seu DNA. "Projetar e construir células sintéticas será a base da nova revolução industrial", diz. "A meta é substituir toda a indústria petroquímica."
Sendo ele um astro, atraiu milhões de dólares em investimentos e verbas de pesquisa, o que coloca a sua empresa Synthetic Genomics como uma das mais ricas no novo campo da biologia sintética.
Mas não há garantia de sucesso. Alguns concorrentes dizem que desenhar células inteiras é pouco realista. Além do mais, embora a Celera tenha sequenciado o genoma humano, não conseguiu ganhar dinheiro com isso, e Venter foi demitido pelo presidente da companhia controladora da Celera.
O que realmente o motiva, afirmam Venter e outros, é o desejo pelos feitos científicos -e pelo Prêmio Nobel. "Craig é apenas um empresário perdido", diz o investidor Alan Walton, amigo de Venter.
A Exxon Mobil está dando à Synthetic Genomics US$ 300 milhões para desenhar algas que possam ser usadas na produção de gasolina e diesel. A BP investiu na empresa para estudar micróbios que ajudem a transformar o carvão em gás natural, cuja queima é mais limpa. Outro investidor, o conglomerado malasiano Genting, quer melhorar a produção de óleo das suas palmeiras de dendê.
E a Novartis espera sintetizar cepas de vírus influenza para produzir vacinas de gripe. A Synthetic Genomics também explora o uso de algas para produzir óleos alimentares e possivelmente outros produtos comestíveis. "E se a gente conseguir deixar as algas com gosto de carne?", divaga Venter.
Os cientistas há muito tempo são capazes de inserir genes estranhos em organismos. Genes de bactérias, por exemplo, tornam o milho resistente a herbicidas e insetos. Mas, até agora, só um ou alguns genes são unidos a uma célula, e é preciso muita tentativa e muito erro.
Com a biologia sintética, projetar uma célula será mais parecido com desenhar uma ponte ou um chip de computador, usando componentes pré-fabricados em diferentes combinações.
Pela abordagem de Venter, os engenheiros especificariam no computador todo o código genético de uma célula, fazendo alterações como num processador de texto. Então clicariam no botão "imprimir", digamos assim, e o DNA seria fabricado a partir dos seus componentes químicos. O DNA sintético seria então transplantado para uma célula existente, onde assumiria o controle das operações celulares.
Isso é essencialmente o que a equipe de Venter anunciou em maio. A reação foi imediata. O Vaticano saudou o trabalho por seu potencial de tratar doenças, acrescentando que não o vê como uma forma de criar vida.
E o presidente Obama imediatamente pediu à sua comissão de bioética que examine seu potencial quanto ao bioterrorismo e aos bioerros -a criação de organismos tóxicos ou ecologicamente nocivos.
A decisão do presidente parece confirmar os temores de que as ousadas declarações de Venter iriam gerar medo e levar a complicadas regulamentações. "A única regulamentação de que precisamos é da boca do meu colega", diz Jay Keasling, cofundador da concorrente Amyris Inc..
Alguns especialistas dizem que o trabalho terá uso industrial limitado. Sua criação custou 15 anos e US$ 40 milhões. E o genoma sintético era praticamente uma réplica do genoma de uma bactéria existente; os cientistas ainda não sabem bem como projetar um novo genoma.
Mesmo que soubessem, seria um exagero, diz George Church, pesquisador da Universidade Harvard. Ele diz que é necessário fazer apenas algumas mudanças genéticas. "Uma das coisas que faltam [no trabalho de Venter] é uma articulação clara de por que você iria querer mudar o genoma inteiro", diz.
Venter diz que sua empresa usará uma engenharia genética mais limitada para os seus primeiros biocombustíveis de algas. E, embora o primeiro genoma sintético tivesse uma "natureza plagiada", ele diz que os cientistas acabarão aprendendo a projetar genomas.
O cientista, que ficou rico com seu trabalho na Celera, diz que suas experiências angustiantes como enfermeiro na Guerra do Vietnã instilaram nele um senso de propósito. "É cômico que continuem se referindo a mim como empresário", afirmou. "O meu sucesso foi encontrar alternativas para financiar as pesquisas."
"A ciência atualmente é o negócio", observou. "Se a ciência funciona, o negócio funciona, e vice-versa."


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