São Paulo, segunda-feira, 20 de setembro de 2010

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Jovem japonês quer emprego paralelo

Por GEAROID REIDY

OSAKA, Japão - Das 9h às 17h, Hiroko Yokogawa faz trabalhos administrativos e contábeis num pequeno escritório de arquitetura. Mas, quando o turno termina, sua jornada de trabalho ainda está longe do fim.
Ela pode ir para casa promover produtos e lojas no seu blog. Ou, em outro papel, como "coach" de vida profissional, pode dar consulta a um cliente.
"Não é que eu odeie o meu trabalho principal, mas quero ter uma renda estável sem ficar completamente dependente da empresa", disse Yokogawa, 32.
Durante décadas, a trajetória profissional padrão no Japão era se formar na faculdade, entrar para uma empresa e lá ficar até a aposentadoria. Mas, com a redução de mais de 12% nos salários na última década, em meio a um mercado profissional incerto, japoneses jovens, em geral solteiros, estão cada vez mais completando as contas com um segundo ou até um terceiro emprego.
Apesar das longas jornadas de trabalho -a oitava maior do mundo, segundo uma medição recente, embora as horas extras costumem não ser contabilizadas nem pagas-, quase metade dos trabalhadores ouvidos no ano passado numa pesquisa do governo manifestou interesse em empregos paralelos. Quase 90% disseram que a principal razão era ter dinheiro para gastar.
"A maior causa do aumento são os jovens tentando ampliar seu ganho de curto prazo diante de condições severas de economia e renda", disse Toshihiro Nagahama, economista-chefe do Instituto de Pesquisas Dai-Ichi Life, em Tóquio. "Mas é também uma forma de gerenciamento de risco para trabalhadores temerosos de perderem seus empregos principais."
O desemprego no Japão era de 5,2% em julho. Embora isso seja pouco para os padrões internacionais, é quase um recorde no país. A economia segue estagnada, abatida por uma população que encolhe e envelhece, pela deflação e pelo iene valorizado, o que afeta as exportações.
Segundo a Agência Tributária Nacional, os salários médios anuais para os trabalhadores japoneses de 20 e poucos anos caiu de 2,83 milhões de ienes em 2007 para 2,48 milhões de ienes em 2008, último ano com dados disponíveis. Pelo câmbio atual, isso significa uma redução de US$ 33.635 para US$ 29.470.
Dados divulgados recentemente pelo Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar mostraram que quase 56% dos trabalhadores de 15 a 34 anos precisavam de outra fonte de renda para arcar com seu custo de vida.
A renda disponível foi ainda mais comprimida desde o início da crise global, porque muitas empresas cortaram o pagamento de horas extras.
"Sem todas essas horas extras, cada vez mais pessoas simplesmente querem ter algo para fazer", disse Kirito Nakano, que já teve um "bico" e aproveitou essa experiência numa carreira como empreendedor e escritor.
Nakano, 28, inicialmente seguiu a carreira-padrão, entrando numa grande empresa como engenheiro especializado em internet, depois de se formar em 2004. Ao descobrir que seu salário não cobriria luxos como viagens ao exterior, ele começou a usar o tempo livre em experiências com programas voltados para o "marketing de afiliação", em que ganhava comissões por enviar clientes a empresas.
Três anos depois, estava ganhando mais nesse "bico" do que no emprego principal. Acabou largando o primeiro trabalho para montar uma empresa de marketing, onde agora trabalha em tempo integral. Em agosto, publicou um segundo livro, em que ensina a ganhar 100 mil ienes por mês fora do escritório.
"A economia japonesa não está só estagnada, está recuando", disse. "Se as pessoas acham que o futuro não lhes reserva esperança, se tornam infelizes. É essa infelicidade que elas estão tentando negar com empregos paralelos."
O sistema japonês de emprego vitalício começou a desmoronar com o estouro de uma bolha econômica em 1991.
Yoshihiko Noda, o ministro das Finanças, disse no mês passado que chegou a hora de o Japão agir para permitir que "os jovens tenham sonhos e arrumem empregos". Para que isso aconteça, o país talvez tenha de estimular o empreendedorismo, que sempre foi considerado escasso no Japão. Mas quem tem empregos paralelos pode representar uma esperança.
"A taxa de abertura de negócios no Japão é baixa, mas se você incluir as pessoas fazendo trabalhos à parte, os números começam a parecer um pouco melhores", disse Shinsuke Ogino, autor de livros sobre trabalhos paralelos e carreiras duplas.
Passar tanto tempo trabalhando significa abrir mão de lazer. Mas, disse Ogino, "para esse tipo de trabalhador, os próprios trabalhos paralelos são diversão, o meio pelo qual eles conseguem socializar com gente nova".


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